Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Os homicídios que todos os dias
ocupam as primeiras páginas dos jornais não parecem constituir uma preocupação
política central. Todavia, no primeiro semestre de 2012 terá havido um aumento
absolutamente anormal de mais de 50% dos homicídios dolosos, a fazer fé numa
notícia cuja origem é atribuída a fonte do Gabinete Coordenador de Segurança.
Mesmo nos anos em que os media –
e sobretudo as televisões – se ocuparam obsessivamente com a criminalidade
violenta, as taxas de homicídio variaram em percentagens mínimas, nunca
superiores a 2%, e até houve uma redução do número de homicídios nos últimos
anos. A confirmar-se a nova tendência, Portugal subirá no ranking de homicídios
por habitante.
Os estudos criminológicos
revelam que há fatores que potenciam o homicídio, como a oportunidade associada
ao acesso às armas de fogo, mas também a recessão e a falta de perspetivas de
vida. Mas é possível construir políticas de redução do homicídio, reforçando o
controlo das armas e protegendo os direitos humanos, nomeadamente contra a
violência doméstica.
Os crimes passionais, que são
uma percentagem significativa embora não maioritária dos homicídios, resultam
de decisões privadas e silenciosas, situadas fora do controlo policial. Em
Portugal, no início do século XX, estes homicídios estiveram associados a
questões de "honra". A sua diminuição acompanhou a nova posição das
mulheres na família e na sociedade.
Num novo contexto cultural, o
combate à violência doméstica veio publicitar crimes de que o Estado se
afastava anteriormente, por se tratar de uma "questão privada das
famílias". Porém, esse combate não parece ter reflexo imediato nos
homicídios contra as mulheres, que têm surgido, frequentemente, já depois do
divórcio ou da cessação da relação amorosa.
Uma conceção liberal da relação
do Estado com a sociedade não favorece a adoção de medidas políticas nesta área.
No entanto, se o homicídio passional não depende hoje do contexto cultural do
passado, deve perguntar--se quais são afinal os seus novos estímulos. Existirá
uma deterioração das condições psíquicas da população que cria estas soluções
homicidas?
Se uma das razões de ser do
Estado é, como defende Hobbes no ‘Leviatã’, evitar que o homem seja o lobo do
homem, então o homicídio representa um problema central para o poder político.
O Estado não poderá deixar "desregulada" essa situação, cabendo-lhe,
nomeadamente, desenvolver políticas de apoio psicológico à população e de
defesa das vítimas.
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