André Salgado Matos defende que o modelo de
Estado que hoje temos não é sustentável.
Rui Pedro Batista
A relação entre o direito e a política e os poderes do Tribunal Constitucional são os temas fortes desta edição do "Direito a Falar". Uma conversa com André Salgado Matos, advogado e professor universitário.
- A actual Constituição da República Portuguesa não está desadequada face à realidade económica e social, não só em Portugal, mas também na Europa?
- Parece-me mais ou menos evidente que o modelo de Estado que nós temos não pode continuar tal como existe. Repare: o Estado Social surge num contexto de expansão económica, sem dificuldades de acesso ao crédito. E de facto é possível ter muito, durante muito tempo...
- ... o que hoje é difícil de garantir. Como se responde, juridicamente, a quem fala de direitos adquiridos?
- Essa questão dos direitos garantidos é muito importante. O retrocesso dos direitos sociais, em direito, apenas se colocava em termos teóricos...
- ...já não é assim.
- Pois não. A grande questão hoje é saber se os direitos sociais podem ser considerados adquiridos. Hoje percebe-se que essa questão, em tempos considerada lírica, hoje pode ser uma realidade.
- E como é que o Estado garante as suas funções sociais?
- O Estado Social pode funcionar de muitas maneiras. O Estado não tem de ser directamente prestador aos cidadãos, pode contratualizar esses serviços junto de privados, eventualmente com alguns ganhos de eficiência.
- Mas se a Constituição dá uma orientação...
- A Constituição não impõe que seja o Estado a garantir directamente todas as prestações sociais que impõe.
- Pode ser o privado a fornecer os serviços, mas o dinheiro tem de vir sempre do mesmo lado, do dinheiro dos contribuintes.
- A extensão das prestações sociais também pode ser discutida. O modelo do Estado providência, parece-me, faliu.
- O Tribunal Constitucional é visto por muitos como a última garantia dos direitos dos cidadãos, num avanço das medidas de austeridade. Há demasiada pressão sobre este órgão?
- O Tribunal Constitucional é um actor político, isso é algo que não se pode negar. Aliás, não é por acaso que a formação desse tribunal é diversa de outros. Os juizes do Tribunal Constitucional não são escolhidos com base numa progressão normal da sua carreira de magistrado. O Tribunal do Constitucional está no meio do contraditório político.
- Mas a intervenção do Tribunal Constitucional deve ter limites, digamos, de intervenção política?
- Sobretudo neste momentos de crise, de maior crispação política, as dúvidas sobre os limites da intervenção do Tribunal Constitucional vêm ao de cima. Mas convém não dramatizar. O mesmo acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.
- Cerca de um quinto dos deputados são advogados. Porque é que há uma relação tão próxima entre direito e política?
- Parece-me que faz algum sentido haver uma grande percentagem de advogados num órgão cuja principal função é legislar, há certamente um valor acrescentado que podem dar.
- Então porque é que se produzem tantas leis e nem sempre as melhores?
- Por um lado existe uma tendência para legislar obedecendo a impulsos meramente conjunturais e sob pressão. Por outro lado os vários Governos querem deixar uma marca na sua governação...
- E porque é que há tanta necessidade em deixar marca?
- Penso que tem que ver com o facto de haver pouco consenso relativamente às principais matérias.
- Sendo que a maior parte dos deputados são advogados e não exercem as primeiras funções em exclusivo, pode haver conflitos de interesse no processo legislativo?
- Sim, essa é uma situação potencialmente de risco, de conflito de interesses.
- Devia haver um reforço da transparência, nomeadamente na actividade de lóbi. Nos Estados Unidos da América é bem mais clara?
- Tudo o que seja para favorecer a transparência é positivo. Nos Estados Unidos a transparência relativamente à actividade de lóbi, é maior, porque existe essa identificação da actividade.
- Como é que a nova geração de advogados está a mudar a forma como a política é exercida?
- Eu não vejo uma nova geração a chegar ao poder.
- Está a querer dizer que existe uma geração que está no poder e não o quer largar?
- Exactamente. É evidente em vários sectores e é também verdade no direito.
Rui Pedro Batista
A relação entre o direito e a política e os poderes do Tribunal Constitucional são os temas fortes desta edição do "Direito a Falar". Uma conversa com André Salgado Matos, advogado e professor universitário.
- A actual Constituição da República Portuguesa não está desadequada face à realidade económica e social, não só em Portugal, mas também na Europa?
- Parece-me mais ou menos evidente que o modelo de Estado que nós temos não pode continuar tal como existe. Repare: o Estado Social surge num contexto de expansão económica, sem dificuldades de acesso ao crédito. E de facto é possível ter muito, durante muito tempo...
- ... o que hoje é difícil de garantir. Como se responde, juridicamente, a quem fala de direitos adquiridos?
- Essa questão dos direitos garantidos é muito importante. O retrocesso dos direitos sociais, em direito, apenas se colocava em termos teóricos...
- ...já não é assim.
- Pois não. A grande questão hoje é saber se os direitos sociais podem ser considerados adquiridos. Hoje percebe-se que essa questão, em tempos considerada lírica, hoje pode ser uma realidade.
- E como é que o Estado garante as suas funções sociais?
- O Estado Social pode funcionar de muitas maneiras. O Estado não tem de ser directamente prestador aos cidadãos, pode contratualizar esses serviços junto de privados, eventualmente com alguns ganhos de eficiência.
- Mas se a Constituição dá uma orientação...
- A Constituição não impõe que seja o Estado a garantir directamente todas as prestações sociais que impõe.
- Pode ser o privado a fornecer os serviços, mas o dinheiro tem de vir sempre do mesmo lado, do dinheiro dos contribuintes.
- A extensão das prestações sociais também pode ser discutida. O modelo do Estado providência, parece-me, faliu.
- O Tribunal Constitucional é visto por muitos como a última garantia dos direitos dos cidadãos, num avanço das medidas de austeridade. Há demasiada pressão sobre este órgão?
- O Tribunal Constitucional é um actor político, isso é algo que não se pode negar. Aliás, não é por acaso que a formação desse tribunal é diversa de outros. Os juizes do Tribunal Constitucional não são escolhidos com base numa progressão normal da sua carreira de magistrado. O Tribunal do Constitucional está no meio do contraditório político.
- Mas a intervenção do Tribunal Constitucional deve ter limites, digamos, de intervenção política?
- Sobretudo neste momentos de crise, de maior crispação política, as dúvidas sobre os limites da intervenção do Tribunal Constitucional vêm ao de cima. Mas convém não dramatizar. O mesmo acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.
- Cerca de um quinto dos deputados são advogados. Porque é que há uma relação tão próxima entre direito e política?
- Parece-me que faz algum sentido haver uma grande percentagem de advogados num órgão cuja principal função é legislar, há certamente um valor acrescentado que podem dar.
- Então porque é que se produzem tantas leis e nem sempre as melhores?
- Por um lado existe uma tendência para legislar obedecendo a impulsos meramente conjunturais e sob pressão. Por outro lado os vários Governos querem deixar uma marca na sua governação...
- E porque é que há tanta necessidade em deixar marca?
- Penso que tem que ver com o facto de haver pouco consenso relativamente às principais matérias.
- Sendo que a maior parte dos deputados são advogados e não exercem as primeiras funções em exclusivo, pode haver conflitos de interesse no processo legislativo?
- Sim, essa é uma situação potencialmente de risco, de conflito de interesses.
- Devia haver um reforço da transparência, nomeadamente na actividade de lóbi. Nos Estados Unidos da América é bem mais clara?
- Tudo o que seja para favorecer a transparência é positivo. Nos Estados Unidos a transparência relativamente à actividade de lóbi, é maior, porque existe essa identificação da actividade.
- Como é que a nova geração de advogados está a mudar a forma como a política é exercida?
- Eu não vejo uma nova geração a chegar ao poder.
- Está a querer dizer que existe uma geração que está no poder e não o quer largar?
- Exactamente. É evidente em vários sectores e é também verdade no direito.
Diário Económico, 5 de Dezembro de 2012
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