José Marques Vidal - «Ao juiz, por imposição do Código, compete apurar a verdade dos factos para julgar em conformidade; porém, o mesmo Código veda-lhe o acesso a todos os elementos constantes do processo indispensáveis ao apuramento dessa verdade».
1. No tempo das vacas gordas do regime democrático operou-se no país um fenómeno de bacoquice legislativa e governativa, que foi transformar aldeias em vilas e vilas em cidades, freguesias em concelhos e julgados municipais em comarcas sem necessidades e estruturas que o justificassem, apenas para satisfazer vaidades das populações e alimentar o caciquismo partidário. Agora, no tempo das vacas esqueléticas, dá-se o volte-face, acabando-se com a fatuidade de se ter mais olhos que barriga. Isto vem a propósito do 'charivari' que de vários sectores se ergue contra a ministra da Justiça, apostada em reformular as estruturas orgânicas dos tribunais, acusando-a – pasme-se! deter uma visão economicista do problema. Deveria ter a perspectiva de nababa, não?
Só quem não faz a mínima ideia de quanto custa o funcionamento de um tribunal para movimentar uma centena ou duas de processos durante um ano pode questionar o plano. Razoável é, apenas, ponderar a forma de minorar os prejuízos decorrentes da lonjura das populações em relação à localização dos novos tribunais...
2. De todas as medidas propostas para a próxima (e mais do que necessária) reforma pontual do Código de Processo Penal – a suspensão do prazo da prescrição do procedimento penal após a primeira condenação do arguido – é determinante para a recuperação da credibilidade da Justiça. Mas não se julgue ser panaceia que afaste o sentimento geral de haver uma Justiça para ricos e outra para pobres. Porque os poderosos e endinheirados, apesar de condenados, continuarão a utilizar os expedientes indispensáveis ao protelamento da decisão final do processo, dentro do consagrado princípio de que, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Evitar-se-á a impunidade por via da prescrição, mas não a morosidade processual penal.
3. No sentido do apuramento da verdade material dos factos – essência do processo penal o que é relevante é a possibilidade de as declarações prestadas pelo arguido perante as autoridades judiciárias (e na presença do seu advogado) serem confrontadas e consideradas em audiência de julgamento. O efeito será previsível: os arguidos, principalmente os mais batidos, que tinham por hábito dar umas 'dicas', passam desde o início do procedimento criminal a meter a viola no saco, e lá se vai o efeito pretendido. De sumo interesse para o apuramento da verdade é que o juiz do julgamento tenha acesso aos depoimentos prestados pelas testemunhas perante as autoridades de polícia criminal e judiciárias em sede de investigação ou de instrução do processo, a fim de aquilatar da substância e credibilidade do testemunho em audiência. O sistema actual, que impede ao juiz o confronto e análise em audiência de julgamento dos depoimentos prestados perante polícias, Ministério Público e juiz de instrução sem a anuência prévia do arguido, assistente ou procurador, consoante os casos, constitui uma intromissão na independência do próprio julgador.
Vejam só: ao juiz, por imposição do Código, compete apurar a verdade dos factos para julgar em conformidade; porém, o mesmo Código veda-lhe o acesso a todos os elementos constantes do processo indispensáveis ao apuramento dessa verdade. Um mimo de coerência legisferante...
José Marques Vidal
Sol de| 13-07-2012
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