domingo, 28 de abril de 2013

Um tiro no pé


por PAULO BALDAIA
Pode ser que existam razões que a verdade conhecida desconhece. Muito se fala de um qualquer segredo escondido entre Belém e São Bento, mas isso não chega para explicar o desastre da intervenção de Cavaco Silva no 25 de Abril. Correu mal, houve um flagrante erro de cálculo que prejudica a futura intervenção do Presidente da República.
Escrevi muitas vezes defendendo, contra a corrente, a acção do actual Chefe do Estado. Nunca embarquei no preconceito de que o Presidente se refugia demasiado no silêncio. E se apelo à memória de quem me lê não é para que possam aferir da qualidade da minha opinião, mas para que possam ler a crítica que faço a Cavaco Silva com a certeza de que não se trata de uma atitude persecutória. Continuo a defender que Cavaco tem tido um papel fundamental naquilo que de acertado se vai fazendo no País.
Não embarcando nas leituras, feitas com paixão partidária, que colocam Cavaco num dos lados da barricada, pode resumir-se a intervenção de Cavaco à ideia de que o Presidente quer a todo o custo evitar uma crise política e fomentar um consenso alargado, que permita produzir políticas de médio e longo prazo.
Pois bem, ontem, apenas dois dias depois da sua intervenção, as notícias chegaram a Belém dando conta de duas coisas:
1 - O PS não quer fazer fazer parte deste consenso e acusa o Presidente de ser o porta-voz do Governo.
2 - O Governo continua a parecer uma panela de pipocas em que com um pouquinho de lume começa tudo a saltar. A cada reunião com temas sensíveis saltam à vista as fragilidades da coligação.
Cavaco Silva ficou prisioneiro deste paradoxo. Queria uma coisa e tem o seu contrário. E se o mensageiro não pode ser culpado das más notícias, menos ainda se pode pensar que a culpa deste paradoxo é de quem não soube compreender o que queria dizer o Presidente.
Não me parece sequer que haja algo de muito errado nas coisas que disse o Presidente da República. O que lhe faltou foi equilíbrio, criticou e elogiou o Governo, mas para a oposição apenas houve críticas. Os factos que referiu são comprováveis e a subjectividade, inerente a qualquer discurso político, goza de um largo consenso político e social. Sim, o défice estrutural baixou. Sim, a balança de pagamentos está equilibrada. Sim, o povo está cansado da austeridade. Sim, isso não deve ser utilizado para prometer o que os partidos sabem ser impossível de concretizar.
Cavaco Silva quis salientar o que de bom existe e a que nos devemos agarrar e o que de mau foi feito e tem de ser corrigido. A intenção podia ser boa mas, como se esqueceu de elogiar também o que a oposição faz bem, falhou o tiro e acertou no pé.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Diário de Notícias, 28-4-2013

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