quinta-feira, 4 de abril de 2013

Tribunais e MP notificam embaixadas estrangeiras à revelia do MNE

PEDRO SALES DIAS 
Público - 04/04/2013 - 00:00
Vasile Popovici, embaixador romeno em Portugal, queixa-se da recepção de dezenas de pedidos de identificação. Ministério dos Negócios Estrangeiros admite que solicitações são irregulares
Os tribunais portugueses e o Ministério Público (MP) solicitam directamente às embaixadas estrangeiras a identificação dos seus cidadãos detidos, apesar das convenções internacionais exigirem que a comunicação seja feita através do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A irregularidade já levou o embaixador da Roménia em Portugal, Vasile Popovici, a reclamar junto do MNE, considerando a situação "vexante", uma vez que os pedidos das autoridades portuguesas estipulam prazos. "Esta embaixada reserva-se o direito de considerar inaceitável continuar a receber prazos para as respostas", diz o diplomata romeno numa carta recente enviada ao MNE.
Questionado pelo PÚBLICO, Vasile Popovici disse receber todos os dias "cerca de 10 pedidos de identificação de cidadãos romenos" e admitiu que o "aumento de solicitações está relacionado com o aumento de cidadãos romenos detidos em Portugal no âmbito de redes de furto e roubo". Na maioria das vezes, é exigida uma resposta em 48 horas. "Penso que isso não é cordial", disse o diplomata, apesar de sublinhar que sempre respondeu a todas as solicitações.
Numa circular recente enviada à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Conselho Superior da Magistratura, à qual o PÚBLICO teve acesso, o Ministério da Justiça (MJ) solicita aos juízes e aos procuradores para que corrijam o procedimento. "O encaminhamento de comunicações que impliquem obrigações da parte das missões diplomáticas e consulares acreditadas em Portugal deverá, em respeito pelo Direito Internacional, ser feito por intermédio do MNE", diz o MJ. Noutra missiva, o chefe de gabinete do MNE assume que "tem sido prática corrente em Portugal" o contacto directo "sem restrições" e "com crescente intensidade", mas com "implicações nem sempre desejáveis". O MNE alerta ainda que quando "a via diplomática exigível" não é usada, as embaixadas podem não se considerar citadas pelas autoridades portuguesas, não tendo, por isso, de responder aos pedidos. O MNE e o MJ não prestaram mais esclarecimentos ao PÚBLICO.
Já a PGR salientou que o "assunto está a ser objecto de apreciação, não podendo, de momento, ser dada qualquer informação adicional".
Segundo a legislação portuguesa, um detido deve ser presente a um juiz de instrução criminal no prazo máximo de 48 horas, caso contrário tem de ser libertado. "Pedem-nos a identificação completa, com idade e moradas", explicou o embaixador romeno. O último Relatório Anual de Segurança Interna destaca a Europa de Leste como sendo de "risco migratório" e relaciona a maioria dos cidadãos de Leste detidos em território nacional "com a mendicidade, pequeno furto", "tráfico de pessoas, lenocínio e alguma criminalidade violenta com recurso a armas de fogo". O desmantelamento de redes de Leste a operar em Portugal tem crescido. Em Março do ano passado, a Polícia Judiciária deteve, em Lisboa, um grupo de 24 cidadãos romenos suspeitos de assaltos a casas, estabelecimentos e edifícios públicos. Dois agentes da PSP, que integravam o grupo, tinham a tarefa de escoar o material roubado. Já em Fevereiro de 2012, a GNR interceptou, em Famalicão, outro grupo indiciado por diversos assaltos em todo o Minho. Contudo, uma das maiores operações do género ocorreu em 2011, quando a PSP do Porto desmantelou três grupos organizados responsáveis por dezenas de assaltos em toda a zona Norte. Na altura, foram detidos 18 cidadãos romenos e moldavos. Ao PÚBLICO, o embaixador da Roménia, Vasile Popovici, garantiu que vai continuar a "colaborar com as autoridades portuguesas" e salientou que "há muito tempo que o Ministério do Interior da Roménia está atento ao fenómeno e providencia toda a colaboração à Justiça portuguesa".

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