29/03/2013 - 00:00
Nos
EUA, assistimos a verdadeiros debates no Supremo Tribunal
O
casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão de direitos fundamentais? A
sua proibição põe em causa o direito à igualdade entre os cidadãos de um mesmo
Estado? Constitui uma discriminação baseada no sexo? E cabe ao Congresso
definir o que é casamento ou devem ser o estados federados a definir esta
instituição através de leis, referendos ou quaisquer outras iniciativas?
Estas e muitas outras questões tiveram um aceso debate no
Supremo Tribunal norte-americano nas alegações orais nos processos Hollingsworth
v. Perry e United States v. Windsor que decorreram na terça e quarta-feira
passadas.
De um lado, encontram-se os defensores do casamento tradicional
visto como uma união entre homem e mulher. No caso United States v. Windsor pretendem impedir que seja declarado
inconstitucional o DOMA (Defense of Marriage Act) que, sob a égide de
Clinton em 1996, veio restringir o casamento e os benefícios decorrentes do
mesmo a casais do mesmo sexo. No caso Hollingsworth
v. Perry a luta dos
defensores do casamento tradicional é no sentido de reporem em vigor, no estado
da Califórnia, uma proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo que
resultara de um referendo. Esta proibição foi julgada inconstitucional por um
tribunal californiano, uma vez que o casamento gay já tinha sido, anteriormente,
reconhecido na Califórnia como um direito fundamental.
Do lado dos defensores do direito ao casamento entre duas
pessoas do mesmo sexo, o objectivo é não só, no caso United States v. Windsor, anular
o DOMA na parte em que define restritivamente o casamento, como conseguir que,
no caso Hollingsworth v. Perry,
o Supremo Tribunal declare que é inconstitucional, por violação do direito à
igualdade, a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo; desta forma,
estaria consagrado um direito constitucional ao casamento homossexual.
As audiências no Supremo Tribunal norte-americano não são como
as nossas alegações orais em que os advogados fazem os seus discursos, mais ou
menos gongóricos, e os juízes ouvem, mais ou menos atentos. Nos EUA, assistimos
a verdadeiros debates com os juízes do Supremo Tribunal a fazerem perguntas
directamente aos advogados e a conduzirem a discussão de forma a verem
analisadas as questões que lhes interessam.
Desta vez, em qualquer dos casos as questões processuais
estiveram em evidência, discutindo-se a própria legitimidade das partes que
estão no tribunal. E pode ser que o caso Hollingsworth
v. Perry seja decidido por
uma questão formal, considerando o Supremo que os proponentes do referendo que
agora estão em tribunal não têm um interesse nem apresentam um prejuízo que
lhes permita litigar neste caso. Desta forma, o Supremo evitaria ter de se
pronunciar sobre a questão de fundo: a proibição do casamento entre pessoas do
mesmo sexo é uma violação do direito à igualdade?
Na verdade, nas perguntas e considerações de alguns juízes,
ficou manifesta a dificuldade e relutância em alterar de forma definitiva um
conceito e uma realidade social com a antiguidade do casamento tradicional em
função de uma instituição - o casamento homossexual - que "é mais nova do
que os telemóveis ou a Internet".
Um dos juízes colocou a questão de uma forma contundente: se a
proibição ou o não- reconhecimento do casamento homossexual é inconstitucional,
desde quando o é? Uma pergunta de difícil resposta.
Por outro lado, quando um dos defensores do casamento
tradicional sublinhava a importância de se manter tal definição na lei porque
visava uma "procriação responsável", um dos juízes lembrou-lhe que
então, a partir dos 55 anos, já não se justificaria o interesse do Estado em
regular o casamento, uma vez que a procriação, responsável ou irresponsável,
estaria afastada.
No caso United
States v. Windsor, estão em causa os direitos de Edith Windsor, uma viúva
lésbica que, após uma relação de 44 anos, não viu o seu casamento reconhecido
pelas autoridades norte-americanas e foi obrigada a pagar elevados direitos
sucessórios que não teria de pagar se fosse casada com um homem. Edith Windsor,
do alto dos seus 83 anos, é uma excelente bandeira para os defensores da
consagração legal do casamento homossexual.
No entanto, para o Supremo Tribunal, parece que fará mais
sentido que a definição do casamento não seja feita nem por via do próprio
tribunal, nem por via do Congresso através de legislação federal como o DOMA,
mas seja deixada à iniciativa dos estados federados.
O Supremo Tribunal poderá, assim, considerar inconstitucional o
DOMA na parte em que restringe o casamento à união entre pessoas de sexos
diferentes e, ao mesmo tempo, não reconhecer a existência de um direito ao
casamento homossexual que seria uma questão a decidir pelos estados federados.
De qualquer forma, dúvidas não restam que o casamento homossexual,
tal como a adopção por casais homossexuais, serão em todo o mundo, e cada vez
mais, uma realidade.
Advogado. Escreve à
sexta-feira ftmota@netcabo.pt
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