quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Europa quer investigar familiares de políticos suspeitos de corrupção




Proposta. Comissão Europeia quer vigilância mais apertada "a pessoas politicamente expostas" a serem corrompidas por redes de financiamento de terrorismo e branqueamento de capitais

Bruxelas quer combater a entrada de dinheiro sujo no sistema financeiro europeu, apertando a vigilância a "pessoas politicamente expostas". As novas diretivas colocam chefes de Estado, ministros, deputados e juizes debaixo da mira do combate ao crime organizado. Os familiares e os sócios mais próximos dos detentores de cargos expostos politicamente também serão investigados. Serão ainda abrangidas as pessoas que trabalham em "organizações internacionais". O executivo comunitário parte do princípio de que as ameaças associados à lavagem de dinheiro e a financiamento do terrorismo "estão em constante evolução e exigem atualizações regulares das regras".

Bruxelas quer apertar vigilância a políticos

Crime. Comissão Europeia considera chefes de Estado, ministros, parlamentares e seus familiares mais expostos a riscos de corrupção

JOÃO FRANCISCO GUERREIRO, Bruxelas

Bruxelas quer combater a entrada de dinheiro sujo no sistema financeiro europeu, apertando a vigilância a "pessoas politicamente expostas". As novas regras colocam chefes de Estado, ministros, deputados e juizes debaixo da mira do combate ao crime organizado. Os familiares e os sócios mais próximos dos detentores de cargos expostos politicamente também poderão ser investigados, segundo aversão em inglês do documento apresentado ontem, em Bruxelas.

O executivo comunitário parte do princípio que as ameaças associados à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo "estão em constante evolução e exigem atualizações regulares das regras". "Temos de nos certificar de que o crime organizado não lava o seu dinheiro através do sistema bancário ou do sector das apostas", afirmou a comissária europeia para a Justiça e Administração Interna, Cecilia Malmström.

Nas duas propostas adotadas ontem, a Comissão Europeia alarga as disposições do combate ao crime organizado a "pessoas que podem representar maior risco em virtude das posições políticas que detêm", estendendo estas novas normas a residentes em "qualquer um dos Estados membros" e não apenas a estrangeiros "expostos politicamente", como acontecia até aqui. Serão ainda abrangidos por esta diretiva as pessoas que trabalham em "organizações internacionais". "Isto inclui, entre outros, chefes de Estado, membros de governos, membros dos parlamentos, juizes de tribunais supremos", refere a proposta.

Este novo modelo de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo assenta numa abordagem "baseada no risco" e exige mais transparência e a identificação dos proprietários da banca, através de "um mecanismo claro de identificação dos beneficiários efetivos". Além disso, as companhias serão obrigadas a manter registos sobre a identidade daqueles que, na realidade, estão por trás das empresa.

"Será melhorada a clareza e a transparência das regras de vigilância dos clientes, a fim de dispor de um controlo e de procedimentos adequados, que garantem um melhor conhecimento da clientela e uma melhor compreensão da natureza do seu negócio", lê-se no documento apresentado ontem em Bruxelas.

Os movimentos superiores a 7500 euros, praticados por pessoas expostas politicamente, poderão ser alvos de investigação. A Comissão assume que precisa de "ir além" das recomendações internacionais contra a lavagem de dinheiro, as quais fixavam o valor das travações em 15 mil euros. O comissário para o Mercado Interno e Serviços, Michel Bamier, acredita que a UE ficará "na vanguarda dos esforços internacionais de combate à lavagem de dinheiro e do combate à circulação de dinheiro sujo".

"A prevenção da corrupção não pode confundir-se com devassa"

- No âmbito da luta contra a corrupção, a Comissão Europeia apresentou uma proposta, que pretende transformar em diretiva europeia, para que os Estados vigiem as operações financeiras de figuras políticas e das suas famílias. Considera esta medida ajustada e positiva?

- Trata-se de uma medida de grande importância, uma vez que pode contribuir para a credibilização da vida pública e da democracia. É indispensável a prevenção de riscos de corrupção relativamente às figuras públicas para quem a verdade e a transparência têm de constituir regra.

- Medidas como estas não resultam numa diminuição de direitos e liberdades individuais? A "vigilância" sobre os familiares dos políticos não contém vários riscos?

Não se deve nem se pode tratar de um exercício de devassa, mas sim de distinção clara entre bens privados e bens públicos. Quem tem responsabilidades públicas deve ter cuidados redobrados na distinção entre o interesse próprio e o bem comum.

- As novas recomendações da Comissão também se aplicam a pessoas politicamente expostas, a organizações internacionais e a sócios dos políticos?

- Não será criar uma malha demasiado complexa de combate à corrupção?

- A nova diretiva europeia deverá ser simples e clara e não pode confundir-se com o incentivo ao voyeurismo ou à demagogia salvaguardandoabsolutamente a proteção da esfera privada dos cidadãos. Deverá haver, por isso, um grande equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a salvaguarda do interesse geral.

- Tem vindo a defender há bastante tempo que o combate à corrupção se faz mais pela prevenção. Com esta medida agora avançada pela Comissão Europeia caminha-se nesse sentido?

- Esta medida não é totalmente inédita. Há já medidas no mesmo sentido no tocante ao branqueamento de capitais. Repito que a prevenção é fundamental. É o caminho a seguir para evitar a aplicação do ditado popular "casa roubada, trancas à porta". Insisto que a prevenção não se pode confundir com qualquer abuso. A prevenção é um modo de proteger todos - porque quem não deve não teme!

PAULA SÁ

"É agora que temos de avançar"

Políticos Socialista João Cravinho e social-democrata Guilherme Silva consideram iniciativa da Comissão Europeia "muito positiva" João Cravinho, ex-ministro das Obras Públicas, considera a diretiva da Comissão Europeia "muito positiva", porque" mais inclusiva", porque engloba "as pessoas que têm uma relação considerada especial em relação às pessoas politicamente expostas. Isso é novo", referiu. Por outro lado, não acredita que a proposta tenha uma ligação tão direta com o recente escândalo de corrupção que envolve o chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy, e que engloba vários membros do Partido Popular. "Não creio. Estas coisas circulam, exigem conversações informais e formais. Há aqui um processo de produção legislativa moroso. Pode ter sucedido que a Comissão tenha entendido, aproveitando um ou outro caso, que é agora que temos de avançar", referiu.

Para Guilherme Silva, deputado do PSD, faz "todo o sentido esta medida", porque "infelizmente a corrupção ganhou cada vez mais uma dimensão transfronteiriça", disse ao DN. Portanto, "tudo o que se possa implementar, salvaguardando sempre as intimidades pessoais e que devem respeitadas mas que não podem ser usadas como argumento para se proceder a uma investigação aprofundada sem quaisquer cortinas que impeçam o apuramento da verdade em todas as situações, em todas as hierarquias, em todos os Estados membros", reiterou. L.B.

Portugal já tinha adotado diretiva sobre vigilância

Lei A prevenção da lavagem de dinheiro já constava de uma diretiva que o País transpôs mal para a legislação interna

Uma diretiva comunitária é uma lei da União Europeia que toma precedente sobre as leis dos diferentes Estados membros e tem um período até três anos para ser adotada. João Cravinho, o deputado que batalhou para que Portugal tivesse um plano anticorrupção, lembra que já existia uma diretiva anterior sobre a lavagem de dinheiro, entretanto transferida para o direito interno português, com um normativo dedicado às "pessoas politicamente expostas", mas não tão extenso, nem de longe nem de perto, como as medidas de vigilância agora propostas", referiu ao DN. Relativamente a essa diretiva, recorda, a forma como foi transcrita para o direito interno português contendo-se uma "bizarria completamente espantosa e que escapou em toda a linha", disse. Ou seja, "interpretámos na legislação portuguesa que as pessoas "politicamente expostas" eram aquelas que ocupavam cargos com visão política no exterior. Era como se tivesse um rebanho e só aquelas ovelhas que pastavam no campo do vizinho é que estavam sob vigilância", uma situação que deverá agora ser retificada.

L.B.

Cinco casos na União Europeia

Figuras em altas instâncias dos Governos nacionais e na própria Comissão Europeia viram o seu nome ligado ou foram condenados em casos de corrupção

Mariano Rajoy PRESIDENTE DO GOVERNO ESPANHOL

O CHEFE do Governo vê o seu nome envolvido num esquema-crandestino de pagamentos regulares a dirigentes do Partido Popular, que se teria prolongado por quase duas décadas. O "caso Bárcenas" surgiu a partir de documentos revelados desde finais de janeiro pelo El País. O ex-tesoureiro do PP Luís Bárcenas garantiu ontem que os documentos em causa são falsos.

ChristianWulff

EX-PRESIDENTE DA ALEMANHA eleito presidente em2010, ChristianWulff viu o nome ser associado ao de um milionário da Baixa Saxórlia, onde fora chefe do Governo, que lhe fez um empréstimo pessoal de 500 mil euros para a compra de uma casa. Wulff tentou impedir a revista Der Spiegeldepublicar a história. Ameaçado de perda da imunidade presidencial, Wulff demitiu-se em fevereiro de 2012. Jacques Chirac

EX-PRESIDENTE DA FRANÇA

JACQUES CHIRAC tornou-se, em 2011, o primeiro ex-presidente francês desde o marechal Pétain, em 1945, a ser condenado pela justiça do seu país. Em causa, a época em que foi presidente da Câmara de Paris (1977/95), quando criou empregos falsos para benefício financeiro do seu partido. Chirac foi condenado por apropriação de fundos públicos e abuso de confiança. Nicolas Sarkozy

EX-PRESIDENTE DA FRANÇA

NA CAMPANHA para a reeleição, em 2012, Sarkozy foi acusado de ter recebido fundos ilegais do ex-ditador líbio, Muammar Kadhafi, para financiar a sua eleição em 2007. Antes, em 2010, Sarkozy foi investigado num caso de corrupçãoem que a herdeira da L'Oréal, Liliane Bettencourt lhe teria dado milhões de euros em "prendas".

John Dalli

COMISSÁRIO EUROPEU DA SAÚDE o maltês John Dalli foi forçado a demitir-se, em outubro de 2012, do cargo que ocupava desde 2010,quandoumainvestigaçãodaunidadeanticorrupção da UE estabeleceu que fora contactado por um compatriota, empresário de tabacos, para influenciar a legislação europeia no setor. Tratou-se de um caso de corrupção não concretizada, mas Dalli não denunciou a tentativa.

JOSÉ SÓCRATES

Ministério Público arquivou caso Freeport

O Tribunal do Barreiro que absolveu em julho do ano passado os dois arguidos do processo Freeport, Manuel Pedro e Charles Smith, de tentativa de extorsão, extraiu na altura uma certidão para averiguar alegados pagamentos ilegais dentro do Ministério do Ambiente, que na altura tinha como ministro José Sócrates. Mas a Procuradoria-Geral da República concluiu que não havia indícios que permitissem a abertura do processo, pelo que decidiram pelo seu arquivamento. Este foi um dos casos que mais desgastaram a imagem do ex-primeiro-ministro.
Jornal de Notícias, 06-02-2013
corrpução, familiares de políticos

Sem comentários: