Todos sabemos as graves
consequências económicas e sociais da passagem à prática do acordo assinado com
a troika pelos três maiores partidos portugueses Sendo discutível o grau de
inevitabilidade das medidas que têm vindo a ser tomadas, certo é que o Governo
que as toma resultou de eleições livres. É com este Governo que os portugueses
têm de viver. Mas é também com os portugueses que o Governo tem de viver. E
nesse aspecto parece que a atenção que é dada pelo Governo a alguns portugueses
e às suas dificuldades não é propriamente aquela que poderia e deveria ser
dada.
Em Espanha, no passado mês de
Março, foi aprovado o Real Decreto-Lei 6/2012, que veio estabelecer medidas
urgentes de protecção dos devedores hipotecários sem recursos a partir da
constatação da “dramática realidade em que se encontram mergulhadas muitas
famílias, que, em consequência do desemprego ou da ausência de actividade
económica, prolongados, deixaram de poder cumprir as suas obrigações derivadas
dos empréstimos ou créditos hipotecários contraídos para a aquisição da sua
habitação”. Este diploma veio aprovar diversas medidas, aplicáveis a pessoas no
limiar da exclusão social e um Código de Boas Práticas para uma reestruturação
viável das dívidas contraídas para compra de habitação própria a que aderiram,
de imediato, a quase totalidade das entidades bancárias que operam em Espanha
no mercado do crédito hipotecário imobiliário. Segundo li em qualquer lado, a
CGD e o BES não terão aderido. Não admira.
Em Portugal ainda nada foi
legislado sobre esta matéria. A única coisa de que se tinha ouvido falar neste
campo foi de uma sentença recente de um juiz de Portalegre que sozinho já fez
muito: decidiu que um banco que emprestou a um casal 117 mil euros para a
compra de uma casa que avaliou nesse valor e que, quatro anos depois, invocando
uma dívida de 129 mil euros, tendo em conta os juros moratórios, a comprou em
tribunal por 82 mil euros, por incapacidade de os devedores cumprirem as
prestações, não pode exigir que o casal lhe pague os 47 mil euros diferença.
Segundo esta sentença, o banco, ao ter comprado a casa, ficou pago dos 117 mil
euros que emprestara, pelo que só ficou com direito a receber o que faltava
para atingir os 129 mil euros da dívida. O casal ficou, assim, só a dever os 12
mil euros dos juros e não os pretendidos 47 mil. Não foi propriamente
considerar que a mera entrega da casa ao banco pagava a dívida, como se
publicitou, mas foi um louvável acto de Justiça.
Esperava-se naturalmente que o
nosso Governo avançasse rapidamente com medidas como as aprovadas em Espanha ou
outras, mas até agora, de concreto, só se conhecem iniciativas parlamentares do
Bloco de Esquerda e do Partido Socialista. A novidade foram as declarações do
primeiro-ministro na passada terça-feira de que é necessário mexer nas
condições dos contratos de crédito à habitação, nomeadamente para evitar o
aumentos dos spreads em certas situações. Na verdade, os bancos aproveitam
qualquer alteração contratual mesmo que não vejam diminuídas as suas garantias
para aumentar a taxa de juro que cobram. No caso dos divórcios, por exemplo, em
que um dos membros do casal quer ficar com a casa de morada de família, os
bancos não perdoam e exigem um enorme aumento da prestação para aceitarem a
saída contratual do outro membro do casal. Ou quando o devedor pretende
arrendar a casa por qualquer motivo, nomeadamente porque arranjou emprego
noutra localidade, os bancos igualmente aumentam brutalmente o valor da
prestação para autorizar esse arrendamento que em nada os prejudica, como é evidente
.
Mas o primeiro-ministro, ao
apontar a necessidade de proceder a estas alterações, não deixou de dizer que
se estava perante uma iniciativa de deputados, que o Governo a seu tempo
interviria no processo (parece que haverá estudos com o Banco de Portugal), mas
que “terá que se trabalhar bem para ver como é que isto se faz, em respeito,
evidentemente, por quem emprestou dinheiro, pela propriedade”. Isto é, com
calma, há que deixar o processo lentamente evoluir e em devido tempo se
alterarão as coisas.
Ora esta atitude cautelosa e
muito pouco determinada, quando diariamente há famílias a ficar sem a sua casa
de habitação, provém do mesmo Governo que não hesitou, quando entendeu ser
preciso cortar 13.º e 14.º mês, reformas e pensões e para acabar com as reformas
antecipadas actuou com toda a velocidade e deslealdade.
É lamentável termos a noção de
que para atacar os direitos e interesses dos funcionários públicos ou dos
trabalhadores por conta de outrem o Governo não hesita e para moralizar um
pouco a actividade bancária face a situações de gritante injustiça social, todo
o cuidado é pouco e não há pressas. E vamos ver as medidas que serão aprovadas…
Custa ver o Governo da Nação
tratar alguns cidadãos com tenazes e outros com pinças.
Francisco Teixeira da Mota
Público de 04-05-2012
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