DECISÃO
Após um homem ter falhado dois testes de paternidade, o tribunal decidiu dá-lo
como pai Assim, cabe a ele o ónus da prova.
Supremo obriga homem a provar que não é pai
Exame. Como o réu inviabilizou o teste de
paternidade, o tribunal inverteu o ónus da prova.
Deu como reconhecido que o filho é dele e cabe-lhe
agora demonstrar o contrário
PAULO JULIÃO
O Supremo Tribunal de Justiça considerou
justificada a inversão do ónus da prova num caso em que um homem inviabilizou
um teste de paternidade pelo que terá de provar que não é o pai. Em causa estão
decisões diferentes dos tribunais das relações de Guimarães e de Coimbra, sobre
casos em que dois homens “obstaculizaram” a realização de testes.
Enquanto no caso de Guimarães não foi valorizada a
circunstância de o réu, numa investigação de paternidade, “se recusar a
realizar o exame hematológico”, para comparação de ADN, requerido pela parte
contrária, entendendo que essa recusa é “apenas passível da sanção probatória”,
em Coimbra a conclusão foi contrária e terminou com o Tribunal a alterar o ónus
da prova. Ou seja, como dificultou a realização de exames de paternidade, terá
de provar que não é o pai.
Na origem deste último processo está uma alegada
relação amorosa, extraconjugal, do réu com uma viúva, em Arganil, que terá
culminado com o nascimento do queixoso, a 16 de abril de 1967. O Tribunal da
Relação de Coimbra, em acórdão de novembro de 2011, deu como provado que ambos
mantiveram relações sexuais entre 1965 e 1967 e que a própria mulher do réu,
entretanto falecida, “sabia do rumor público” de que o agora queixoso seria
filho do seu marido.
Com 45 anos mas ainda um registo de filiação em que
apenas surge o nome da mãe, o homem exigia em Tribunal que fosse confirmada a
paternidade.
Durante o processo, na primeira instância, apesar
de agendado por duas vezes, o homem não compareceu ao exame hematológico, o qual,
segundo o tribunal, permite um grau de certeza próximo de 100% na filiação.
“Quer isto dizer que nas ações de investigação da paternidade esses exames
constituem elementos importantes e até essenciais para a descoberta da verdade,
secundarizando as outras provas, designadamente a testemunhal patentemente
muito mais falível e aleatória”, lêse no acórdão produzido pela Relação de
Coimbra que, perante isto, decidiu aceitar declarar a paternidade.
Isto porque os juizes, na decisão de 16 de outubro
de 2012, acrescentaram que “ao faltar ao exame injustificadamente, inviabilizou
a sua realização, obstaculizando, assim, a que a verdade da sua paternidade (…)
fosse cientificamente investigada e determinada”. “Recusou-se, assim, a
colaborar para a descoberta da verdade, pelo que se justifica a inversão do
ónus da prova”, defendem ainda.
Para complicar ainda mais este caso, o homem cuja
paternidade estava ser investigada acabou entretanto por falecer, já depois de
o tribunal ter admitido que a imputação que lhe foi feita, “dada a sua avançada
idade” e “já bastante fragilizado, física e psiquicamente”, provocou nele
“forte abalo psíquico e moral”.
Os recursos da decisão de primeira instância têm
sido assumidos pelos herdeiros do homem e viram agora o Supremo Tribunal de
Justiça validar a decisão de Coimbra, sublinhando tratar-se de uma “questão de
particular e óbvia relevância social”, por “se colocar no caminho da descoberta
da verdade da paternidade biológica”.
“Ao faltar ao exame injustificadamente inviabilizou
a sua realização, obstaculizando, assim, a que a verdade da sua paternidade (…)
fosse cientificamente investigada e determinada. Recusou-se, assim, a colaborar
para a descoberta da verdade, pelo que se justificou a inversão do ónus da
prova”, determina o Supremo Tribunal de Justiça.
A decisão, neste caso, poderá não ter qualquer
efeito, tendo em conta que o processo só foi encetado mais de dez anos após a
maioridade do requerente, que é o que a lei estabelece como prazo máximo. No
entanto, poderá representar jurisprudência futura para este tipo de situação.
Quaresma e Toy tiveram de fazer testes de
paternidade
FAMOSOS Dois dos casos mais mediáticos de processos
de paternidade em Portugal envolveram o futebolista Ricardo Quaresma e o cantor
Toy. No início de 2010, a ex-namorada interpôs uma ação em tribunal contra o
internacional português que duvidou da paternidade e se recusava assumir as
responsabilidades de pai. Apesar de ter colocado em causa a fiabilidade do
teste de ADN feito pelo Instituto de Medicina Legal, que confirmou ser ele o
pai da criança, e de ter pedido a repetição do exame, o jogador do Besiktas
acabou por assumir a paternidade de Ariana. No caso de Toy o desfecho foi
diferente: após uma relação extraconjugal com uma cabeleireira, o cantor foi confrontado
com a suposta paternidade do filho desta, tendo chegado a pagar pensão de
alimentos. Submetido a mais do que um exame de ADN, acabou por provar que não
era o pai. No entanto, a mulher manteve a sua versão e chegou a colocar em
causa a validade dos exames efetuados.
LEIS
DIREITO
Prova A regra, em direito, é que quem alega um
determinado facto tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se
designa de ónus de prova que está preceituado no artigo 342.8 do Código Civil.
Mas, no 344.5. nº 2, acrescenta-se que sucedendo a recusa da parte em colaborar
para a descoberta da verdade, ocorrerá a inversão do ónus da prova. Ou seja, há
inversão do ónus da prova “quando a parte contrária tiver culposamente tornado
impossível a prova ao onerado”.
ENRIQUECIMENTO
Proposta A lei sobre o enriquecimento ilícito,
aprovada no Parlamento com os votos contra do PS, acabou por ser declarada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional alegando que estaria em causa a
presunção da inocência por considerar que o diploma não protegia o direito ao
silêncio. Se ficasse em silêncio o acusado poderia ser condenado. Ou seja,
seria obrigado a revelar factos da sua vida para provar a inocência, o que, na
realidade, significava, a inversão do ónus da prova.
Diário Notícias, 5 Novembro 2012
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