segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Nova PGR vai deixar tudo na mesma!


Em nenhum país da União Europeia existe um modelo de Ministério Público idêntico ao português, assente num procurador-geral independente do poder político, com um mandato de seis anos, e um Ministério Público com estatuto próprio e autonomia.

Muitos estados europeus adoptaram por modelo diferente. O Ministério Público ou está integrado com autonomia funcional no Poder Judicial como nos casos de Espanha ou Alemanha -, ou insere-se no Ministério da como vigora na Holanda, França, Bélgica ou Áustria. A média de mandato do procurador-geral é de quatro anos e cessa quando termina o mandato do Governo que o propõe e as suas funções cingem-se à matéria penal.

Em Portugal, o Ministério Público intervém em quase tudo, em matérias de constitucionalidade, penais, cíveis, comerciais, laborais e administrativas, sendo a sua estrutura gigantesca, pesada do ponto de vista burocrático e, por via disso, muito dispendiosa.

Ninguém pode olvidar a existência de uma crise de credibilidade que se vive no Ministério Público. Esta era uma oportunidade para se impor uma mudança, que não passaria só por dança de nomes, mas teria de passar por algo de mais estrutural, com uma revisão constitucional e posterior revisão do estatuto do Ministério Público. A nomeação da nova procuradora-geral da República vai exactamente em sentido contrário. Com esta escolha, ficou cabalmente demonstrado que o actual poder político não sabe, nem quer, mudar o actual sistema de justiça. Independentemente das excelentes qualidades profissionais e humanas da magistrada Joana Marques Vidal, o seu perfil não se adequa às funções. Falta-lhe, desde logo, distanciamento da estrutura do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Esse é um forte e, porventura, inultrapassável handicap para fazer as rupturas essenciais para a reorganização do Ministério Público, a par de outra vontade que deve nesta altura acompanhar o procurador: um perfil de confrontação com os magistrados.

Atrevo-me a fazer um exercício de futurologia sobre o que ficará do mandato de Joana Marques Vidal. Procurará uma coexistência pacífica com os interesses corporativos e será submissa, nada tendo a opor a nada.

Um procurador-geral da República que queira ficar na história deve ser um inconformado com a própria vida e a vida dos outros. Não tem de ser consensual nem ceder a instintos populistas, deve ter ideais e querer a glória no mandato, precisando de agir com calor e bravura na defesa do interesse público.

O cidadão não beneficia em ter um procurador-geral vindo do próprio Ministério Público.

A prática é errada e constatou-se isso mesmo com alguns dos que passaram pelo cargo no passado, como são exemplos Cunha Rodrigues e Souto Moura. Ambos foram bajulados de elogios, terminando o mandato sob um rol de críticas.

Este status quo vai continuar por mais seis anos. A política é de continuação, embora num tom mais apaziguador na relação entre os magistrados, a estrutura sindical e o Conselho Superior da Magistratura. Afinal o que ganhará o cidadão com a nomeação do novo procurador? Nada. E isso era o que mais importava.

Os inquéritos judiciais continuarão demasiados longos e um arguido continuará a sê-lo por tempo indefinido. A autovitimização, baseada na falta de meios, será a resposta para os atrasos, as insuficiências e as prescrições processuais. Uma oportunidade perdida.
Dantas Rodrigues
Público 4 de Novembro de 2012

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