Candidatos. Presidente recebe proposta do Executivo mas pondera outros nomes
Consulta. Atraso preocupa Belém e leva a um pedido de parecer sobre consequências
Mandato. Pinto Monteiro vai deixar de ser procurador-geral da República já no dia 9
A nomeação do novo procurador-geral da República deverá ser adiada para além de dia 9, data em que Pinto Monteiro acaba o mandato. Ao que o DN apurou, o Presidente da República está a ponderar a escolha de outros candidatos além dos propostos pelo gabinete do primeiro-ministro, dando sinais de desagrado para com a lista recebida há mais de um mês. Cavaco Silva deverá propor o envio de novos nomes, podendo indicar alguns, e já pediu à Procuradoria-Geral da República um parecer sobre as consequências do atraso. ATUAL PÁGS 6 E 7
Belém busca alternativas a propostas do Governo para PGR
Adiamento. Cavaco Silva já pediu um parecer sobre as consequências de um atraso na nomeação de um sucessor para o procurador
LICÍNIO LIMA
A nomeação do novo procurador-geral da República (PGR) deverá ficar adiada para além de 9 de outubro, quando Pinto Monteiro acaba o mandato. Ao que o DN apurou, o Presidente da República está a ponderar a escolha de outros candidatos além dos que foram já propostos pelo gabinete do primeiro-ministro, dando sinais de insatisfação relativamente à lista de meia dúzia de nomes recebida há mais de um mês. Entretanto, os serviços da Presidência solicitaram um parecer à Procuradoria-Geral da República sobre as consequências no atraso da nomeação. Esta demora está a gerar grande mal-estar entre os magistrados do Ministério Público (MP).
Segundo fontes do DN, não havendo até 9 de outubro um substituto para Pinto Monteiro, a PGR ficará sob o comando da vice-procuradora-geral da República, Isabel São Marcos. A magistrada, nomeada em novembro de 2010 para substituir Mário Gomes Dias, é pouco apreciada entre os procuradores. De todos os modos, os seus poderes ficarão limitados à gestão de assuntos correntes.
Segundo fontes contactadas pelo DN, Cavaco Silva estará a ponderar sobre nomes que não foram incluídos na lista apresentada pelo gabinete do primeiro-ministro. A lei diz que a nomeação e a exoneração do PGR são responsabilidade de Belém, mas a proposta tem de partir sempre do Governo. Acontece que o Executivo é de coligação PSD/PP e o mandato que agora termina foi marcado por fortes tensões entre Pinto Monteiro e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Neste sentido, está a ser complicado encontrar um nome de consenso que agrade a Cavaco Silva, à coligação, à oposição e ao sindicato. Está, assim, em aberto a possibilidade de Passos Coelho ter de enviar uma nova lista tendo em conta que a proposta de substituição é sempre do Executivo, ainda que seja Cavaco Silva a sugerir o nome.
Trata-se de um atraso já visto em anteriores fins de mandato. O juiz Marques Vidal, na qualidade de “vice”, geriu durante vários meses a procuradoria até à nomeação de Cunha Rodrigues que substituiu Arala Chaves. Agostinho Homem desempenhou o mesmo papel durante alguns meses até à substituição de Souto de Moura. Daí que o parecer pedido à PGR terá em conta estes precedentes.
Candidatos
João Correia, advogado e ex-secretário de Estado da Justiça no anterior Governo, e que atualmente preside à comissão de reforma do Código Civil, é um dos nomes não sugeridos pelo Governo cuja nomeação seria apoiada pelo PS, pelo CDS e até pelo PSD. Apoios que poderão surgir, inclusive, de entre os procuradores cujo sindicato defende a nomeação de alguém que “conheça muito bem o MP”. João Correia já foi membro do Conselho Superior do MP, é advogado de procuradores, conhece bem a instituição e sempre defendeu a sua autonomia.
Outro nome na calha que não terá partido do Governo é o de Joana Marques Vida, filha do conselheiro que já foi “vice” da PGR. Trata-se de uma procuradora-geral adjunta “muito querida” no seio da magistratura.
António Henriques Gaspar, 62 anos, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) desde 2006, é o terceiro nome que estará a ser ponderado pelo PR, mas este foi proposto pelo Governo. Trata-se de um magistrado que conhece o terreno. O seu nome já há seis anos esteve na calha mas acabou por cair em prol de Pinto Monteiro por pressão de José Sócrates.
A indecisão por parte da Presidência da República está a ser interpretada por alguns dos elementos do MP como um desrespeito por esta magistratura, visto saber-se há seis anos que o mandato termina a 9 de outubro. Outros recordam que se trata de uma nomeação muito sensível atendendo a que exige muitos consensos. O próximo PGR terá de trabalhar com um novo Presidente da República e com outro Governo cuja orientação política se desconhece.
De qualquer forma, esta “crise” até pode terminar com o Presidente Cavaco Silva a escolher para novo PGR um dos nomes constantes na lista inicialmente apresentada por Passos Coelho.
Parlamento devia assumir a escolha
Método Associação cívica Integridade e Transparência defende nomeação do PGR na Assembleia da República em prol da independência
O método de nomeação do Procurador-Geral da República começa a ser contestado por vários sectores da sociedade, nomeadamente pela associação cívica Transparência e Integridade. Esta entidade internacional de combate à corrupção entende que a competência deveria pertencer à Assembleia da República, tal como acontece com o cargo de provedor de Justiça. Esta posição foi apoiada por outras entidades cívicas, nomeadamente pela anterior direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
Para a associação Integridade e Transparência, a alteração de método de nomeação justifica-se pela necessidade de o Ministério Público (MP) se afirmar independente do poder político.
“As dúvidas quanto à independência do MP começam primeiramente pelo método de nomeação do procurador-geral da República pois, apesar de nomeado pelo Presidente da República, é proposto pelo Governo, implicando uma grande influência do Executivo na escolha do superior hierárquico máximo desta instituição, podendo por em causa a sua isenção”, disse aquela entidade em relatório sobre o Sistema Nacional de Integridade.
Também o SMMP considerou esta possibilidade. “Pensamos que seria importante do ponto de vista do reforço da ideia de independência do poder judicial e até da legitimação democrática se se questionasse o atual modelo de indicação do procurador-geral da República pelo primeiro-ministro”, defendeu João Palma quando ainda presidia ao sindicato. E acrescentou: “Consideramos que é oportuno questionar alguns métodos de escolha de alguns órgãos de cópula da nossa magistratura, designadamente no que diz respeito ao MP a questão do senhor procurador-geral da República.” O atual presidente, Rui Cardoso, não se quis pronunciar sobre o método de nomeação.
Mas, apesar destes alertas, o assunto acabou por cair em saco roto. O que não passou desapercebido foi o ambiente de tensão existente entre o atual procurador e o sindicato dos magistrados.
Pinto Monteiro lançava por vezes a ideia de que o MP está politizado, ou que a hierarquia funcionava como feudos de condes, duques e marqueses. Entre os magistrados era frequente ouvir-se que nunca Pinto Monteiro, juiz de carreira, se sentiu no interior do MP. Por isso, era olhado como um outsider, um estranho à classe que chega ao fim de mandato como um “erro de casting”.
- Como é escolhido o procurador-geral da República (PGR)?
- O cargo de PGR está sujeito à designação pelo poder político, assentando na dupla confiança do Presidente da República (que o nomeia) e do Governo (que o propõe ao Presidente da República). O mandato tem a duração de seis anos, mas a lei não impede a sua recondução por idênticos períodos. Após a cessação de funções, o PGR, se for oriundo da magistratura, pode reingressar no quadro de origem, sem perda de antiguidade e do direito à promoção.
- Quais as suas funções?
- Compete ao PGR, entre outros, presidir à Procuradoria-Geral da República; representar o Ministério Público (MP) nos tribunais; requerer ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma. E ainda: promover a defesa da legalidade democrática; dirigir, coordenar e fiscalizar a atividade do MP e emitir as diretivas, ordens e instruções a que deve obedecer a atuação dos respetivos magistrados. Pode também convocar o conselho superior do MP e o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República e presidir às respetivas reuniões; informar o ministro da Justiça da necessidade de medidas legislativas tendentes a conferir exequibilidade aos preceitos constitucionais; e fiscalizar superiormente a atividade processual dos órgãos de polícia criminal.
- O que é a Procuradoria-Geral da República?
- É o órgão superior do MP. A PGR compreende o procurador-geral da República, o conselho superior do MP, o conselho consultivo da PGR, os auditores jurídicos e os serviços de apoio técnico e administrativo. Na dependência da PGR funcionam o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o Gabinete de Documentação e de Direito Comparado e o Núcleo de Assessoria Técnica.
- É a PGR considerada um órgão de soberania?
- Não. Os únicos órgãos de soberania em Portugal são, de acordo com o art.° 134.° da Constituição, a Assembleia da República, o Governo e os tribunais. Embora os serviços do MP ocupem instalações nos edifícios dos tribunais, os únicos titulares destes são os magistrados judiciais.
Procurador teve gabinete sob escuta
Cunha Rodrigues – José Narciso da Cunha Rodrigues exerceu funções de procurador-geral da República entre 11 de setembro de 1984 e 6 de outubro de 2000. Foram 16 anos com algumas polémicas, entre as quais a descoberta de um microfone no seu gabinete, em abril de 1994. O aparelho foi detetado no seguimento de suspeitas do próprio que ouvia, por vezes, ruídos ao telefone. Este caso provocou, na altura, uma grande celeuma mediática, mas durante o seu mandato foram vários os casos polémicos que encheram páginas de jornais como o das “faturas falsas” (Partex). O seu mandato chegou ao fim sob uma chuva de críticas.
Mandato no escândalo da Casa Pia
SOUTO MOURA – José Adriano Machado Souto de Moura exerceu o seu mandato entre 9 de outubro de 2000 e 8 de outubro de 2006. Foram seis anos muito atribulados com casos mediáticos a aparecer constantemente nos jornais. O caso de pedofilia da Casa Pia terá sido o mais marcante. Figuras de relevo, de todos os quadrantes, nomeadamente políticos, eram referidas diariamente na comunicação social obrigando o magistrado a desdobrar-se em esclarecimentos. No seguimento deste caso surgiu o “Envelope 9″ relativo a dados telefónicos de figuras políticas e não só, atiçando ainda mais a polémica. Souto de Moura reconheceu que foram anos difíceis na sua carreira de magistrado.
Polémicas com polícias e magistrados
PINTO MONTEIRO – Fernando Pinto Monteiro tomou posse a 9 de outubro de 2006 e sai de cena na próxima semana. Se os seus dois antecessores tiveram de enfrentar polémicas derivadas de processos mediáticos, Pinto Monteiro foi mais longe e gerou contestação no seio do Ministério Público. O sindicato da classe por várias vezes sugeriu que o juiz conselheiro não tinha condições para continuar o mandato, estendendo-se o mal-estar às polícias quando levantou a suspeita de que em Portugal fazem-se investigações com recurso a escutas ilegais. O próprio Pinto Monteiro reconheceu que a passagem pela PGR não foram anos felizes da sua vida.
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