segunda-feira, 25 de junho de 2012

Advogados sujeitos a penhora por terem quotas em atraso

Os advogados correm o risco de ver os seus bens penhorados por falta de pagamento de quotas à sua Ordem. A medida, já contestada, consta de uma proposta de lei do Ministério da Economia que altera o quadro legal das associações profissionais públicas, a qual prevê que o Ministério Público (MP) possa desencadear procedimentos disciplinares contra aqueles agentes do foro, como noticiou o DN.
Trata-se de uma iniciativa legislativa que poderá revolucionar a autorregulação dos advogados e o seu relacionamento com o Estado. A Ordem já na sexta-feira realizou uma Assembleia Geral Extraordinária para repudiar o projeto. Caso seja aprovado, a "advocacia ficará reduzida a uma mera atividade económica", disse ao DN o bastonário António Marinho e Pinto.
Um dos pontos polémicos é a possibilidade de o MP poder vir a desencadear procedimentos disciplinares contra os advogados, prerrogativa que agora é da exclusiva competência dos órgãos da própria Ordem, designadamente dos seus conselhos de deontologia. Mas, conforme advertiu ao DN o presidente do conselho distrital do Porto (CDP) da Ordem dos Advogados (OA), Guilherme Figueiredo, há outras aspetos do projeto que não se coadunam com a natureza constitucional do interesse publico que prossegue a ordem profissional.
É o caso, por exemplo, da possibilidade de o atraso no pagamento das quotas mensais dar azo à penhora de bens dos advogados faltosos. Ora, diz Guilherme Figueiredo, "não se percebe por que é que a Fazenda Pública há de prosseguir a execução e a penhora dos bens para cobrar quotas que são de uma entidade privada".
De todos os modos, a medida até daria muito jeito. Neste momento, recorde-se, o montante de quotas em dívida ronda os 4,5 milhões de euros, sendo que 1,1 milhões respeita a dívidas com maturidade de cinco ou mais anos. Ou seja, muitos bens poderão ainda vir a ser penhorados.
Mas, há mais. Caso o projeto seja aprovado, a OA terá de adotar, para as suas contas, o regime da contabilidade pública. "Nenhuma razão se vê, em termos de coerência da própria proposta, que se justifique a contabilidade publica numa associação cujos rendimentos provêem dos seus associados e não do Orçamento Geral do Estado (OGE)", referiu Guilherme Figueiredo. Além de que, acrescentou, prevê-se também que as lacunas legais existentes nos estatutos da ordem profissional sejam preenchidas, subsidiariamente, com o que está regulamentado para os institutos públicos.
Ora, diz o causídico, este principio parece não ter lógica porque, sublinhou, a Ordem tem uma administração autónoma, ao passo que os institutos seguem diretrizes políticas. Em seu entender, a proposta esquece que a administração da justiça tem um interesse público de natureza constitucional e que isso requer independência e autonomia da OA relativamente ao Estado. "A OA não é igual às demais ordens", disse.
COMÉRCIO
Sociedades vão ter novas regras
> "Até um pasteleiro poderá ser o maior adonista de uma sociedade de advogados", disse ao DN o presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados. Porque, explicou, a proposta de alteração à lei das ordens prevê a obrigatoriedade das sociedade multidisciplinares, civis e comerciais, o que significa que as sociedades de advogados podem ter outros profissionais. Ora, a advocacia lida com interesses não só públicos como também de natureza de sigilo profissional e da administração da justiça", diz o advogado do Porto, refutando a aplicação da norma à sua Ordem.
O DOCUMENTO DIZ 'TROIKA'
> Por força do memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica, assinado a 17 de maio de 2011, o Estado português assumiu um conjunto de compromissos perante a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, designadamente quanto às qualificações profissionais e às profissões regulamentadas.
SUBSIDIARIEDADE
> Em tudo o que não estiver regulado na presente lei e na respetiva lei de criação, bem como nos seus estatutos, são subsidiariamente aplicáveis às associações públicas profissionais, com as necessárias adaptações, as normas e os princípios que regem os institutos públicos.
CONCORRÊNCIA
> As associações públicas profissionais não podem estabelecer restrições à liberdade de profissão que não estejam previstas na lei, nem infringir as regras da concorrência na prestação de serviços profissionais, nos termos dos direitos nacional e da União Europeia.
'NUMERUS CIAUSUS'
> Em caso algum pode verificar-se a fixação de numerus clausus no acesso à profissão, associado ou não a restrições territoriais em função da população ou de distâncias geográficas entre profissionais ou suas sociedades, ou a acreditação, pelas associações públicas profissionais, de cursos oficialmente reconhecidos.
PROFISSÃO
>Sem prejuízo das normas técnicas e deontológicas aplicáveis, o exercício da profissão deve observar o princípio da livre concorrência e fica sujeito aos regimes jurídicos da defesa da concorrência e de proteção contra a concorrência desleal. A publicidade na advocacia é liberalizada.
Regulação da atividade poderá vir a envolver agentes indicados por outras instituições
O Conselho Superior da Ordem dos Advogados, órgão de supervisão da advocacia, pode vir a ser constituído por elementos oriundos de outras instituições e de outras profissões, e não apenas pelos advogados eleitos entre os pares, tal como hoje acontece. É o que resulta da proposta de lei do Ministério da Economia que altera o quadro legal das ordens profissionais.
"O órgão de supervisão é independente no exercício das funções, sendo eleito por maioria qualificada pela assembleia representativa podendo incluir elementos estranhos à profissão, até um terço da sua composição", refere o artigo 16.° do documento. Isto significa que a advocacia poderá passar de um sistema de autorregulação para um sistema de heteroregulação. Porém, "o projeto de diploma contém caminhos pelos quais não deverão seguir uma Ordem dos Advogados (OA), desde logo pela sua natureza constitucional de interesse público, o que não acontece com outros", afirmou ao DN o presidente do Conselho Distrital do Porto da OA, Guilherme Figueiredo.
Mas, a possibilidade de vir a existir uma heteroregulação dos advogados é uma velha ideia defendida, por exemplo, pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha Nascimento, em vários dos seus discursos. O juiz-conselheiro lembra que, por exemplo, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), que gere e fiscaliza a atividade dos juizes, tem no seu seio, além de magistrados judiciais, outros membros indicados pela Assembleia da República e pelo Presidente da República. Entre estes conta-se juristas e académicos, sendo que este conselho, tal como a OA, defende também interesses públicos de natureza constitucional como é fazer Justiça.
O mesmo acontece com o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que além de procuradores, tem igualmente membros indicados pela Assembleia da República e pelo Ministro da Justiça. Neste sentido, Noronha Nascimento tem vindo a defender que a OA deveria também abrir os seus órgãos dirigentes a membros estranhos à profissão. Mas, a sugestão nunca foi acolhida.

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