terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A reforma do sistema legal português


Os dois problemas mais graves que Portugal enfrenta são a falta de uma sociedade aberta e o estado do seu sistema legal.
Os problemas que afectam Portugal e outros países ocidentais têm, essencialmente, origem em sistemas insustentáveis de previdência social. No entanto, os dois problemas mais graves que Portugal enfrenta são a falta de uma sociedade aberta e o estado do seu sistema legal. No passado recente, o FMI foi forçado a intervir em Portugal por três vezes, desta última em parceria com a UE, mostrando a incapacidade, ou a falta de vontade, de Portugal de se gerir. Algo tem de mudar se Portugal quiser ser levado a sério.
À falta de um sistema legal forte, surge um sistema em que até a obtenção de direitos legais e contratuais depende de favores. Nada pode ser objectivamente reivindicado, sendo mesmo necessário adular os funcionários públicos para que cumpram a sua obrigação legal com os cidadãos. A criação das Lojas do Cidadão foi uma preciosa ajuda, mas, além disso, deveria implementar-se um sistema de gabinetes de ombudsmen, com competência para resolver, de forma imediata e sem burocracia, os litígios de baixo valor e acções administrativas, e aplicar sanções. Esta forma de justiça imediata, por grosseira que possa parecer, é a resposta. Haverá tempo para requintes mais tarde, se necessário.
O passo seguinte seria tornar os tribunais eficientes e executar eficazmente as respectivas sentenças, em especial as relativas a cobranças de dívidas e despejos. Por desagradável que fosse, seria necessária uma autoridade policial especial, com plenos poderes e independente da polícia comum. Para mais, eu acabaria com os recursos em sede de acções civis, comerciais e laborais, excepto no caso de os próprios tribunais concederem essa opção às partes, o que deveria ser uma medida excepcional e apenas aplicável em caso de interesse público. Não existem recursos em sede de arbitragens comerciais internacionais, e os profissionais do foro consideram esta situação perfeitamente normal. Além disso, é absurdo que em Portugal haja um grau adicional de recurso para o Tribunal Constitucional. Os tribunais comuns deviam tratar destes assuntos de modo que todos os litígios fossem julgados num prazo de três a cinco anos, no máximo. Sem isso não há justiça nem “rule of law”.
Num sistema judicial assim reformado, os tribunais de primeira instância julgariam com um colectivo de três juizes e as regras de processo civil seriam reduzidas a um código de 15 páginas, no máximo. Os detalhes processuais seriam deixados ao critério dos tribunais, que, à semelhança dos árbitros, teriam o dever de decidir em prazos mais curtos. Os juizes também não deveriam ser obrigados a resumir os factos e recursos a meio dos processos, o que representa um desperdício de tempo e energia.
Relativamente aos advogados e respectiva supervisão, seriam necessários reguladores em áreas especializadas. Isto significa que na área financeira, por exemplo, os reguladores deveriam supervisionar não só os bancos e outros serviços financeiros, mas também os respectivos advogados. Teriam uma lista de sociedadesde advogados e advogados autorizados. Os lesados teriam a faculdade de apresentar reclamações a estes reguladores relativamente ao comportamento dos advogados e os reguladores teriam competência para impedir que aqueles continuassem a exercer. Podiam ser atribuídas competências semelhantes a outros reguladores.
Tais medidas levariam certamente a todo o tipo de protestos, em defesa da independência dos advogados, o que, de acordo com a minha experiência, é o melhor sinal de que se acertou em cheio. E porque contestaria qualquer advogado decente esta medida se não por medo de se afundar juntamente com um cliente duvidoso? É um requisito indispensável para reabilitar os serviços financeiros neste país, o que é muito necessário e nunca se conseguirá sem uma maior responsabilização dos advogados.
Jan Dalhuisen
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, do King’s College de Londres e da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline | 14-02-2012

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