Concordância do JIC com a suspensão provisória do processo impede posterior não pronúncia.
I. O Ministério Público, depois de realizar, no âmbito de um inquérito, todas as diligências que repute necessárias para investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), deve, num primeiro momento, formular um juízo sobre a suficiência dos indícios recolhidos nessa fase processual.
II. Se considerar que foi recolhida prova bastante de que o crime não foi cometido ou de que, tendo sido cometido, o arguido não o praticou ou então se entender que não existem indícios suficientes de tais factos, não pode deixar de arquivar o inquérito, nos termos do artigo 277.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
III. Se, pelo contrário, considerar que os indícios da prática do crime e da responsabilidade do arguido são suficientes deve optar por uma de três alternativas: deduzir acusação contra o arguido (artigo 283.º), suspender provisoriamente o processo (artigos 281.º e 282.º) ou determinar o seu arquivamento nos específicos termos previstos no artigo 280.º do Código de Processo Penal.
IV. O juiz de instrução, durante a fase do processo que dirige, encontra-se numa situação semelhante, só podendo manifestar concordância com a suspensão provisória do processo se entender que existem indícios suficientes de que o arguido praticou o ou os crimes que o Ministério Público considerou suficientemente indiciados no despacho em que determinou a suspensão provisória do processo.
V. Se, pelo contrário, concluir pela insuficiência dos indícios não pode deixar de manifestar discordância dessa decisão.
VI. Tendo o juiz de instrução concordado com a decisão do Ministério Público de suspender provisoriamente o processo, não pode depois, se o processo vier a prosseguir, proferir um despacho de não pronúncia por não existirem indícios suficientes.
AcRL de 30-11-2011, Proc. 117/09.6JDLSB, Relator: Desembargador Carlos Almeida
Inconstitucionalidade do crime tipificado no artº 97º do Código do Notariado.
I – O artigo 97.º do Código do Notariado descreve um tipo incriminador autónomo que se pode analisar da seguinte forma:
No que respeita ao tipo objectivo
- Delimita o círculo de agentes exigindo que eles sejam os outorgantes da escritura de justificação, o que compreende os declarantes e as testemunhas;
- Descreve as possíveis acções típicas dos agentes, que podem consistir em prestar ou confirmar declarações falsas;
- Delimita as circunstâncias da acção, que deve ter lugar após prévia advertência da susceptibilidade de responsabilidade criminal do agente;
No que respeita ao tipo subjectivo:
- Exige que a acção seja dolosa, admitindo qualquer modalidade de dolo;
- Prevê a existência de um elemento subjectivo especial, que consiste na consciência de que as declarações causam prejuízo a outrem.
II – Porém, o artigo 97.º do Código do Notariado não pode ser aplicado pelos tribunais porque é orgânica e materialmente inconstitucional por violar dois dos corolários do princípio da legalidade: o «nullum crimen, nulla poena sine lege scripta» e o «nullum crimen, nulla poena sine lege certa».
III – É organicamente inconstitucional porque, tendo sido aprovado pelo Governo no uso das suas competências próprias, consubstancia uma alteração de uma anterior norma incriminadora que integrava o Código do Notariado de 1965, que o actual visou substituir.
IV – É materialmente inconstitucional porque não contém, de uma forma minimamente precisa, a indicação da sanção que corresponde ao comportamento tipificado.
ACRL de 07-12-2011, Proc. 66/08.5JAPDL, Relator: Desembargador Carlos Almeida
Contra-ordenação. Decisão do recurso por mero despacho. Nulidade.
I. De harmonia com o disposto no artº64º, nº2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, a decisão do recurso por despacho só é possível mediante a verificação cumulativa de dois pressupostos: 1) que o juiz não considere necessária a audiência de julgamento; e 2) que o arguido ou o MP não se oponham a essa forma de decisão.
II. A oposição a que a decisão seja proferida por despacho pode ser expressa ou implícita – pode, v.g., inferir-se do facto de ser oferecida prova que deva ser produzida em audiência. No caso de a arguida, no requerimento de interposição do recurso de impugnação, arrolar testemunhas, essa indicação só pode reconduzir-se a uma manifestação de vontade no sentido de ser realizada audiências – o que obsta a que o recurso venha a ser decidido por mero despacho.
II. No caso de o juiz decidir o recurso por mero despacho, tendo-se o arguido oposto, ainda que implicitamente, a essa forma de decisão, o despacho que assim decide é nulo, sendo essa nulidade insanável – a CRP (artº32º, nº10) reconhece ao arguido, mesmo no processo de contra-ordenação, o direito de audiência e de defesa, pelo que o acto omissivo que postergou esse direito só poderá ser fulminado com a nulidade insanável. Por outro lado, a ‘ausência do arguido’ a que se refere a al.c) do artº 119º do CPP, não se confina à simples ausência física, antes compreende também a ausência processual quando a lei, como é o caso, faz depender a forma da decisão da posição que o arguido venha a tomar.
III. A nulidade em questão deve ser declarada em qualquer fase do procedimento e tem como consequência a invalidade da decisão recorrida (artº 119º, corpo e 122º, nº1 do CPP). Nessa medida, deve ter-se como assente a oposição da arguida à decisão por mero despacho (artº64º, nº2 do RGCO) e proceder-se à realização da audiência.
AcRL de 07-12-2011, Proc. 1214/10.0TBBNV.L1, Relator: Desembargador Telo Lucas -
Separação processos. Conexão. Indeferimento.
I - É o próprio arguido que não encontra outro fundamento para a sua pretensão de separação de processos senão o retardamento do seu próprio julgamento, invocando o disposto na alínea c), do n° 1, do artº 30º do Código de Processo Penal.
II – O alcance do vocábulo “ retardamento excessivo” constitui conceito eivado de relatividade.
III – Não constitui desiderato assumido pelo actual processo penal português deixar na disponibilidade dos arguidos a escolha de com quem querem ou não ser julgados e quando querem ou não sê-lo.
IV – No caso, trata-se de um processo com 110 volumes, vários apensos e muitos arguidos.
V – O facto de ter sido requerida instrução por alguns dos arguidos não legitima, por si, a excepcional aplicação do instituto de separação processual pretendida.
VI – E acresce que em situação semelhante à do requerente se encontrarão outros arguidos igualmente acusados dos mesmos crimes (burlas e associação criminosa).
VII – Não é de “liberalizar” a autonomização de processos, como o pretende o requerente, pois que nem sequer se alcançaria uma celeridade global do processo ou do sistema judiciário. Aliás, a separação em causa traduzir-se-ia em “perigosa” fragmentação do processo, potenciadora de diversidade de julgados e não contributiva para a verdade material.
AcRL de 07-12-2011 Proc. 453/03.5JACBR-A.L1, Relator: Desembargador Simões de Carvalho
Distinção entre actos de tráfico e de consumo
I. O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua versão originária, na linha, de resto, do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, que o antecedeu, punia tanto o tráfico como o consumo de droga, quaisquer que fossem as quantidades de substâncias ou preparações que fossem objecto de cada uma destas actividades.
II. O artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelecia a punição como tráfico de droga da prática dolosa e não autorizada de qualquer uma das 18 modalidades de conduta que o preceito descrevia, desde que essa prática tivesse por objecto alguma das substâncias incluídas nas tabelas I a IV a ele anexas.
III. O cultivo, a aquisição e a mera detenção para consumo dessas mesmas substâncias ou preparações (para além do próprio consumo) eram puníveis de uma forma significativamente atenuada pelo artigo 40.º do mesmo diploma, independentemente da quantidade das substâncias ou preparações envolvidas no acto.
IV. O que distinguia os tipos incriminadores descritos nos artigos 21.º, n.º 1, e 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, era, para além do leque de actos tipificados, que era compreensivelmente muito mais amplo no artigo 21.º, um elemento subjectivo especial da ilicitude, o propósito de destinar a substância a consumo próprio, que tinha de se encontrar presente para a conduta ser punível como um acto de consumo.
V. A determinação da quantidade de produto, para além de poder ter reflexos na eventual qualificação do crime de tráfico, se fosse esse o caso, e na pena concreta aplicada, apenas era relevante como indício que contribuía para a distinção dos actos de consumo dos de tráfico.
VI. De acordo com as regras de experiência comum, podia inferir-se que a detenção de uma elevada quantidade de droga se destinava ao tráfico, ao passo que a detenção, em determinadas circunstâncias, de uma pequena quantidade do mesmo produto, indiciava que a droga se destinava a consumo próprio.
VII. Para além disso, a lei delimitava alguns tipos incriminadores ou a medida da pena aplicável a certas condutas atendendo ao facto de a substância ou preparação em causa exceder ou não o «necessário para o consumo médio individual» durante determinado período de tempo (artigos 26.º, n.º 3, e 40.º, n.º 2).
VIII. Embora o conceito de «consumo médio individual» não fosse completamente rígido (artigo 71.º, n.º 3), era um conceito objectivo que não variava segundo os consumos mais ou menos elevados de cada utilizador do produto.
IX. Para esse efeito, a lei previu a publicação de uma Portaria que estabelecesse «os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV de consumo mais frequente» – alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º.
X. Foi no cumprimento dessa injunção que veio a ser publicada a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março. Do seu artigo 9.º e do mapa que se lhe refere resulta que o valor diário a considerar quanto ao consumo médio individual de diacetilmorfina (heroína) é de 0,1 grama.
XI – Só se pode ver se uma determinada porção desse produto excede ou não um determinado limite depois de ter sido determinado o seu peso líquido e o grau de pureza.
XII. A descriminalização do consumo, aquisição e detenção para consumo próprio das plantas, substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, operada pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro (artigos 2.º e 28.º), não alterou a distinção entre os actos de tráfico e de consumo.
XIII. Depois da publicação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, constituirá contra-ordenação (artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro) ou crime (artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) consoante o produto não exceda ou exceda «a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
XIV. Se a aquisição ou a detenção não se destinarem ao consumo próprio estaremos perante actos de tráfico, independentemente da quantidade de plantas, substâncias ou preparações que estiverem em causa.
AcRL de 07-12-2012, Proc. 5/11.6GACLD, Relator: Desembargador: Carlos Almeida
Prazo para a interposição de recurso.
I. Para que o recorrente possa gozar da faculdade excepcional de apresentar o recurso no prazo de 30 dias (artº 413º, nº4, do CPP) não basta que declare a intenção de ver reapreciada a prova gravada - é necessário que efectivamente impugne a matéria de facto, dando integral cumprimento ao estatuído nos nºs 3 e 4 do artº412º do CPP. O que justifique a concessão daquele prazo mais alargado, não é a declaração de intenção de se ver reapreciada a prova gravada, mas antes a sua efectiva concretização, patenteada na motivação e conclusões do recurso.
II. No caso, o recorrente limita-se a aludir às declarações por si prestadas e aos depoimentos “integrais” de determinadas testemunhas, sem cuidar de detalhar as concretas provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, sem indicar as concretas passagens dos depoimentos gravados em que funda a sua impugnação e sem indicar as provas que devem ser renovadas.
III. Deste modo, não tendo o recorrente cumprido o ónus de especificação relativamente à impugnação da matéria de facto, impõe-se concluir que o recurso não tem por objecto a reapreciação da prova gravada, pelo que não poderá beneficiar do prazo excepcional de 30 dias a que se reporta o artº413º, nº4 do CPP. Assim, tendo o recorrente apresentado o recurso para além do prazo normal de 20 dias, este não pode ser admitido e deve ser rejeitado por intempestivo (artº414º, nº2, do CPP).
AcRL de 25-01-2012, Proc. 126/09.5PCOER.L1, Relator: Desembargador Rui Gonçalves
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