terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

15 mil pessoas a ‘cumprir’ penas suspensas de prisão


Condenações com penas suspensas aumentam desde 2007 e os últimos dados revelam que há 15 mil pessoas nesta condição. Casos de abuso sexual e corrupção estão incluídos.  Abusos sexuais e homicídios por negligência são crimes que podem ser condenados com suspensão da pena de prisão. Desde 2007 que a tendência tem sido aumentar
Assaltantes, abusadores sexuais, homicidas que mataram sem intenção, corruptos: estes são alguns dos criminosos que podem ter a pena de prisão suspensa por igual período, assim o juiz entenda que merecem uma segunda oportunidade e que não voltarão a cometer o crime. Só pode ser aplicada a crimes com moldura penal até cinco anos de prisão.
Segundo os últimos dados disponíveis da Direção-Geral de Política de Justiça, de 2010, existem cerca de 15 mil pessoas com pena suspensa em Portugal (ver quadro), número que sobe em relação a anos anteriores, numa tendência que se regista desde 2007.
Quem é condenado a uma pena suspensa de prisão ganha um crédito para uma nova vida mas também fica com a “espada” da justiça sobre a cabeça. Se forem condenados por algum crime durante o período em que têm a pena suspensa, terão de recolher à cadeia e cumprir tempo de prisão efetiva (pelo crime anterior e pelo novo).
O caso do psiquiatra João Vasconcelos Vilas Boas, 49 anos, residente no Porto, chocou a opinião pública quando o arguido foi condenado pelo tribunal de São João Novo a cinco anos de pena suspensa por ter violado uma paciente grávida de oito meses. O médico recorreu para a Relação e foi absolvido.
O Supremo entendeu, em janeiro último, não ser necessário reavaliar o caso. Para o advogado Santos de Oliveira, a pena suspensa decretada em primeira instância, neste caso em concreto, não era à justa. Nos crimes sexuais “não faz sentido aplicar a pena suspensa”, argumenta o advogado que representou o agente da PSP que foi condenado a pena suspensa por ter matado o rapper MC Snake numa perseguição policial.
“O crime sexual é intrínseco ao próprio indivíduo, não é um crime de ocasião. Tem de haver uma predisposição do sujeito. Se o tribunal considera que um indivíduo praticou o crime sexual de forma dolosa, porque fica satisfeito com a ameaça de pena de prisão?”
O falso testemunho de Amaral
O antigo coordenador da PJ de Portimão, Gonçalo Amaral, foi condenado por falso testemunho a 22 de maio de 2009 no julgamento das agressões a Leonor Cipriano, a mãe de Joana. A pena decretada pelo tribunal de Faro foi um ano e meio de prisão com pena suspensa por igual período. O seu advogado na altura, António Cabrita, recorreu da decisão para a Relação de Évora, mas foi mantida a decisão da primeira instância.
Gonçalo Amaral foi acusado porque, enquanto coordenador da investigação no caso Joana, deveria ter tido conhecimento de que a mãe da criança morta, Leonor Cipriano, foi agredida por inspetores seus subordinados e que não teria sido a queda nas escadas a causar as lesões que sofreu. “A defesa de Gonçalo Amaral assentava no facto de um superior não poder pôr em causa um relatório de um inspetor subordinado”, sublinhou o advogado António Cabrita. “Mas em função do tribunal ter entendido que ele praticou o crime acho que a pena foi bem doseada. Havia atenuantes como o registo criminal limpo de Gonçalo Amaral.”
O caso MC Snake
O agente da PSP Nuno Moreira foi condenado a 21 de junho de 2011 a 20 meses de pena suspensa por homicídio por negligência no caso da morte do rapper MC Snake. A decisão da primeira instância ainda não transitou em julgado. O advogado Santos de Oliveira, que representa o polícia, disse ao DN que o recurso a pedir a absolvição do agente se encontra pendente na Relação.
Santos de Oliveira entende que a condenação a pena suspensa do cliente não foi má de todo. “O Nuno Moreira vinha acusado de homicídio qualificado e foi possível requalificar a acusação para homicídio por negligência, e isso foi bom.”
O crime de homicídio, simples ou qualificado, não admite a aplicação de pena suspensa. No caso de Nuno Moreira foi possível decretar-lhe essa pena porque se tratava do crime de “homicídio por negligência” cuja moldura penal se inscreve no critério permitido para a suspensão da pena. Ou seja, é um crime punido com três anos de prisão ou multa.
A pena suspensa significa que “o tribunal decide dar uma segunda oportunidade a um arguido”. Para o advogado Santos de Oliveira, isto quer dizer que “o juiz ficou convencido de que bastou a sujeição do arguido a um julgamento para se fazer justiça e que essa pessoa não voltará a praticar o crime”. É, no fundo, um “instituto discricionário”. O juiz “não é obrigado a dá-lo”.
“Uma história triste”
Nuno Cardoso, ex-presidente da câmara do Porto, não gosta de recordar que a justiça o considerou culpado do crime de prevaricação, pelo qual foi condenado a 22 de junho de 2009. Foi condenado a uma pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, por se ter provado que ordenou o arquivamento indevido de processos de contraordenação do Boavista Futebol Clube. “Foi uma história triste. Não me quero lembrar disso”, afirmou o antigo autarca ao DN. “Só demonstrou a inexistência do nosso sistema de justiça.”
Um ano depois de ter sido condenado a pena suspensa, Nuno Cardoso enfrentou o processo do Plano de Pormenor das Antas, pelo qual estava acusado de lesar os cofres camarários. Foi absolvido a 10 de novembro de 2010. Se tivesse sido condenado, arriscava recolher à prisão devido à pena suspensa que sobre ele pendia, caso já tivesse transitado em julgado.
EXTINÇÃO
> A condenação a uma pena suspensa de prisão permanece no registo criminal cinco anos depois de se ter extinguido o período da pena. “Antes não era assim. A pena suspensa podia sair do registo criminal ainda antes de estar extinta. Isto porque se entendia contar os cinco anos a partir do trânsito em julgado da sentença”, disse ao DN António Ventinhas, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
CORRUPÇÃO
> Crimes económicos também podem ser punidos com pena suspensa.. Veja-se o caso do administrador da Bragaparques, Domingos Névoa, que foi condenado pelo Supremo no dia 20 de janeiro a 5 meses de prisão com pena suspensa pelo crime de corrupção ativa para ato ilícito na condição de pagar 200 mil euros ao Estado nos próximos dois meses. Este crime está à beira de prescrever.
P&R
> Quando é que uma pena de prisão pode ser suspensa?
- Segundo o Código Penal, art. 50.°, as penas inferiores a cinco anos são, quase automaticamente, suspensas. Para suspender a pena, porém, o tribunal deve atender “à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
> A pena é apenas suspensa ou o arguido fica obrigado a cumprir certos deveres?
- Não é obrigatório, mas o tribunal pode impor como condição para a suspensaão da pena o cumprimento de algumas regras, sejam de conduta individual ou a terceiros.
> Quando é que a pena deixa de estar suspensa?
- Pode acontecer por duas vias: o arguido deixar de cumprir algumas obrigações impostas pelo tribunal ou quando for apanhado a cometer outro crime. A pena passa a efetiva.
Rute Coelho
Diário de Notícias de 13-02-2012

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