ANTÓNIO RAPOSO SUBTIL advogado e candidato a bastonário da OA
Para se avaliar a importância e as consequências da eventual aprovação dos projectos legislativos respeitantes ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e ao Estatuto Profissional do Advogado (EPA), remetidos pela actual Direcção da Ordem ao Governo, teremos de percorrer o caminho da história!
Esta pretensa separação entre a vertente institucional e a vertente material do exercício da profissão de advogado não acompanha o desenvolvimento da tradição histórica na matéria, pautado por uma identificação sucessivamente reforçada entre o advogado e a sua estrutura organizativa profissional, a sua Ordem. Recorde-se que, durante um longo período (que decorreu na vigência do primeiro ao quarto Estatutos Judiciários), o mandato judicial (enquanto figura agregadora de uma dada vertente das profissões jurídicas) foi regulado a par da organização judiciária e das competências dos magistrados (judiciais e do Ministério Público), situação que cessou com a aprovação do primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), em 1984.
O desenvolvimento subsequente visou consolidar a identidade da função de advogado, mantendo no respetivo Estatuto tudo o que respeitasse às suas perspetivas institucional e material e deixando para diplomas específicos o que justificava um tratamento autónomo, em função quer da matéria, quer da necessidade de alterações mais recorrentes.
Era o caso da matéria relativa às sociedades de advogados (dada a sua natureza de ente colectivo, independente da pessoa dos respetivos sócios advogados, esses sim membros da OA) e da matéria relativa aos atos próprios de advogado, cuja finalidade essencial é a de determinar pela positiva tudo o que só aos advogados é permitido fazer. E, neste caso, bem se compreendia que, no mesmo diploma, ficassem associados os advogados e os solicitadores, afinal de contas duas vertentes de abordagem da profissão jurídica com largas zonas de confluência.
No momento atual e bem ao contrário dos caminhos propostos, pareceria fazer mais sentido dar um maior realce à matéria do patrocínio forense e ao papel dos advogados na administração da justiça, reforçando a sua dignidade constitucional enquanto profissão jurídica.
Mas parece não ser este o caminho pretendido pelos atuais dirigentes da Ordem dos Advogados! Com efeito, e a título de exemplo, a consagração de soluções como a que prevê a possibilidade de as sociedades de advogados integrarem sócios não advogados (sociedades multidisciplinares), o que se considera absolutamente inadmissível em qualquer enquadramento, pode permitir a conclusão de não ter sido esta matéria incluída no projecto de novo EOA pela impossibilidade prática que resultaria do facto de a Ordem não poder exercer poder disciplinar sobre pessoas que, não sendo advogados, não integram nem podem integrar a associação pública “Ordem dos Advogados”.
Já se referiu que a tradição do ordenamento jurídico português se pautou por uma identificação sucessivamente reforçada entre o advogado e a sua estrutura organizativa, a nossa Ordem. E caso para dizer que tal solução se propôs impedir a funcionalização do advogado, antes realçando as múltiplas abordagens da sua postura social, como já constava do preâmbulo do diploma criador da nossa Ordem, que se transcreve, atenta a sua profundidade e actualidade: “O exercício da advocacia em Portugal não tem merecido da parte dos poderes públicos a atenção e o interesse que por todos os motivos deviam ser dispensados a uma tão nobre e elevada profissão. Em quase todos os países cultos se tem procurado cercar a profissão de advogado de garantias de independência e de condições de prestígio, organizando-se cuidadosamente a respetiva ordem e colocando-a em circunstâncias de exercer a sua acção eficaz, que um escritor definiu recentemente nestes termos: «A Ordem dos Advogados é fundada em vista da justiça; não pode atingir o seu fim senão submetendo todos os actos profissionais aos princípios duma alta e escrupulosa probidade»”.
Ora, a própria designação de “Estatuto Profissional” não é adequada para explicitar ou integrar a dimensão ético-social do papel do advogado, cujo estatuto constitucional (na 4ª revisão, de 1997) se desdobrou no reconhecimento das imunidades que lhe são devidas e na identificação do “patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”(cfr. art.°. 208.° da CRP). Afinal de contas, realidades indissociáveis que só nessa plenitude permitem reconhecer a figura do Advogado como integrando, num estado de direito, a suprema ideia de “uma Justiça para todos os cidadãos”.
Daí que, mesmo sem entrar (nesta fase) na análise da estrutura e do articulado constantes de cada um dos Projectos de Estatutos (EOA e EPA), remetidos pela atual Direção da Ordem ao Governo, se assuma já uma rejeição veemente do modelo proposto, que aniquila o estatuto com previsão constitucional do advogado e ofende o princípio da “garantia de acesso à tutela jurisdicional efectiva” por todos os cidadãos.
Vida Económica | Sexta Feira, 12 Abril 2013
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