05/12/2012
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Encontra-se
em discussão pública o projeto de lei que se propõe realizar uma profunda
reforma na organização judiciária nacional.
Um dos
objetivos centrais desta reforma diz respeito à especialização dos tribunais.
Com efeito, ao nível dos tribunais de primeira instância, a medula da
reorganização judiciária assenta na criação de condições para a sua
especialização, com a instituição de secções especializadas nas instâncias
centrais de cada comarca. Esta é, assim também o pensamos, a solução acertada e
o caminho correto para a boa administração da justiça - conquanto o objetivo da
especialização não se torne num boi Ápis, uma vez que, como é sabido, a
especialização excessiva acarreta mais inconvenientes do que vantagens -,
permitindo uma maior racionalização de recursos e, sobretudo, assim se espera,
uma melhor qualidade e maior celeridade das decisões judiciais.
Acontece
que este aspeto crucial da reforma é, na última proposta do Governo que veio a
público, absolutamente desconsiderado, rectius,
é completamente subvertido no que respeita ao Tribunal da Relação do Porto. Com
efeito, propõe-se ali - sem qualquer razão ou fundamento plausível - que sejam
retirados da alçada deste tribunal os distritos de Bragança e Vila Real, os
quais, aliás, sempre estiveram no âmbito da sua jurisdição. E, desta forma,
impossibilita-se no âmbito deste tribunal de recurso - e é porventura, nesta
sede, onde ela é mais necessária - a almejada especialização, uma vez que esta
implica necessariamente massa crítica, i.e., um volume suficiente de trabalho
que permita e justifique tal desiderato, o que não se verificará com a proposta
que está agora em cima da mesa.
Por
isso, esta amputação da jurisdição do Tribunal da Relação do Porto está em
total contradição com os objetivos da reforma, impedindo, na prática, aquilo
que se proclama e que se pretende promover: a especialização judicial. E,
importa sublinhá-lo, esta proposta traduz-se numa real ablação do próprio
Tribunal da Relação a se - que
não atinge apenas as suas competências -, constituindo uma agressão gratuita ao
mais antigo tribunal de recurso do país, bem como a esta região e às suas
gentes (mormente àquelas que deixariam de ficar sob a alçada do tribunal), que
inequivocamente se reveem e aceitam a auctoritas deste
vetusto tribunal, a qual se alicerça em séculos de história e que não se
consegue alcançar nem conquistar por decreto.
O
Tribunal da Relação do Porto é efetivamente, convém lembrá-lo, o tribunal
superior mais antigo do país (data de 27 de julho de 1582). Nenhum outro
tribunal nacional pode reclamar idênticos pergaminhos. Trata-se de uma
instituição nacional, constituindo juntamente com a câmara municipal e a
universidade uma das instituições historicamente emblemáticas e estruturantes
da cidade e da região. Nas quais se tem, aqui, um justificado orgulho e apreço,
só desconhecido por quem nunca respirou as névoas que sobem do Douro.
Acresce
que não há razões de ordem logística ou outras que justifiquem aquele
esvaziamento deste tribunal. O edifício do Palácio da Justiça dispõe de todas
as condições para continuar a albergar, como até aqui, um Tribunal da Relação
do Porto à altura da sua história. Aliás, a imponência e a elegância deste
granítico edifício - que ficaria claramente subaproveitado com a projetada
solução - contribui também para o prestígio e a dignificação da Justiça; de
facto, para o fenómeno de descredibilização da Justiça que se vive terá também,
estamos certos, concorrido o facto de os tribunais terem sido instalados em
edifícios que não foram construídos de raiz para esse efeito e sem as condições
adequadas ao exercício de tão importante função como é a de julgar.
Donde,
esta proposta de ablação do Tribunal da Relação do Porto, para a qual não se
divisa critério nem fundamento, a ser levada à prática, seria um profundo erro
histórico, e, reitera-se, constituiria um ato gratuito de agressão àquela
instituição, à cidade do Porto, bem como às regiões que ficariam de fora da
jurisdição deste tribunal, traduzindo-se em um ato nu de poder.
Que
não é seguramente o que se pretende e, nisso queremos acreditar, não virá a
acontecer. Temos plena confiança na boa fé, no mérito e nos objetivos que
inspiram esta reforma, na necessidade de coerência em que tem de assentar e nos
valores que deve respeitar. Retificar um erro, corrigir trajetórias, ser firme
na decisão de melhorar, não é sinal de fraqueza. É sinal de coragem e de
inteligência.
É, por
isso, senhora ministra da Justiça, que lhe solicitamos que reveja esta
desastrada e infundada proposta relativa ao Tribunal da Relação do Porto.
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