Esta semana, pela primeira vez, um tribunal administrativo declarou inconstitucional o corte nos vencimentos da Função Pública.
O
Tribunal Constitucional (TC) vai ter de pronunciar-se novamente sobre a
conformidade dos cortes nos salários dos trabalhadores da Administração
Pública aplicados desde 2011. A intervenção é forçada por uma decisão
até agora inédita dos tribunais administrativos, que os declararam
inconstitucionais.Com efeito, esta segunda-feira, o Tribunal
Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto proferiu dois acórdãos em que
considerou inconstitucionais os artigos do Orçamento do Estado (OE) de
2011 que determinaram uma diminuição, entre 3,5% e 10%, das remunerações
acima de 1.500 euros. O TAF diz que as normas violam os princípios
constitucionais da «igualdade», «proporcionalidade» e «protecção da
confiança».Recurso imediato
Este entendimento terá de ser já submetido ao TC: «Quando um tribunal considera inconstitucional uma lei, há recurso directo e imediato para o TC», explica ao SOL Pedro Baranita, dirigente do Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP).
Será, assim, a primeira vez que os juízes do Palácio Ratton farão uma fiscalização concreta dos cortes salariais. Em Setembro passado, confrontado com acções da Associação Sindical dos Juízes e do SMMP, o TC fez uma fiscalização abstracta da lei do OE – e concluiu que a diminuição de salários e subsídios é constitucional, por ter carácter excepcional (atendendo à situação económica e financeira do país) e transitório (ou seja, vigorar num certo prazo).
Desta vez, o TC apreciará dois casos de aplicação concreta da lei e o entendimento pode não ser o mesmo. Além disso, a composição do TC deverá entretanto mudar, aguardando-se a nomeação de três juízes pelo Parlamento, além da eleição de um novo presidente.
Os acórdãos do TAF do Porto foram proferidos por colectivos presididos pela juíza Helena Ribeiro – curiosamente, ex-directora da Direcção-Geral da Administração da Justiça nos Governos anteriores – em dois processos contra o Estado movidos por magistradas do MP, com o apoio judiciário do respectivo sindicato.
Medida devia ser para todos
Segundo o SMMP, existirão cerca de 50 acções semelhantes interpostas por procuradores em todo o país, sendo estas do TAF do Porto as primeiras a terem sentença favorável.
O colectivo presidido por Helena Ribeiro fundamenta a decisão em jurisprudência do próprio TC e pareceres dos mais reputados constitucionalistas portugueses: Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Paulo Otero, Sérgio Vieira de Andrade, Jorge Reis Novais, Rui Medeiros e Maria da Glória Garcia.
Começa-se por salientar que a Constituição não proíbe a diminuição de salário e que esta é uma medida admissível de redução da despesa, numa altura excepcional para o Estado. Mas conclui-se que estas «razões de interesse público dizem respeito à generalidade dos cidadãos e não apenas aos trabalhadores» da Função Pública – podendo ter sido tomadas «medidas alternativas» que abrangessem todos os contribuintes. «Sendo o défice orçamental um problema de todos e por todos gerado, a solução desse problema deve recair sobre todos os portugueses e não apenas sobre aqueles que exercem funções públicas».
Manda-se, assim, anular o corte dos salários das magistradas, com efeitos desde Janeiro de 2011.
paula.azevedo@sol.pt
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