Opinião
Por Francisco
Teixeira da Mota
A construção da
Europa - ou das várias Europas - é um trabalho sem fim, cheio de avanços e
recuos, sendo certo que, às vezes, é difícil sabermos se determinadas medidas
configuram progressos ou retrocessos. Se neste momento as questões económicas e
financeiras são o centro do turbilhão que assola a Europa e cujo resultado,
mesmo a curto prazo, ninguém poderá antever com segurança, já no campo dos
direitos humanos os progressos da construção europeia são inequívocos.
Claro que, em
muitos aspectos, é o princípio da “água mole em pedra dura” que vai actuando,
já as soberanias nacionais são realidades incontornáveis e as resistências são
muito variadas, por vezes verdadeiras muralhas de aço. Certo é que um dos
organismos europeus que mais têm contribuído para a melhoria dos direitos
humanos e da justiça no nosso continente é o Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (TEDH).
A sua actuação é
particularmente relevante na construção de uma justiça europeia porque aplica
uma lei europeia - a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) - e porque
permite que qualquer cidadão individualmente se queixe da violação desses seus
direitos directamente no TEDH.
No passado dia 31
de Maio, o TEDH, mais uma vez, declarou que Portugal tinha violado o europeu
direito a termos justiça em tempo razoável, bem como o direito a termos
internamente um recurso efectivo contra essa mesma violação. Em causa estavam
queixas apresentadas pela firma Martins & Vieira, Lda., representada pelo
advogado Jorge Jesus Ferreira Alves, respeitantes a atrasos no andamento de
processos no nossos país. Um deles, para se ter uma ideia do problema,
respeitava a um crédito dessa mesma firma, reclamado contra uma empresa que
veio a falir: a acção foi proposta em 23 de Maio de 1993 e terminou em 24 de
Outubro de 2008, data em que a empresa queixosa foi notificada da graduação dos
créditos na falência e em que ficou a saber, irreversivelmente, que não ia
receber nada. 15 anos, 5 meses e 3 dias a percorrer as três instâncias
judiciais: tribunal de 1.ª instância, tribunal da Relação e Supremo Tribunal de
Justiça.
Mas, para além de
reconhecer que Portugal violara essa sua obrigação de prestar aos seus cidadãos
o serviço de justiça em tempo razoável em qualquer dos processos em causa, o
TEDH declarou também que Portugal continua a não ter um meio eficaz de os
cidadãos reagirem contra esses atrasos e de serem compensados pelos mesmos.
Na verdade, o
nosso país, ou melhor, os nossos juízes dos tribunais administrativos continuam
a não aceitar que o Estado é responsável pelos atrasos na justiça e deve
indemnizar os cidadãos por esses mesmos atrasos. Embora a lei estabeleça a
responsabilidade do Estado pela prática de factos ilícitos, a verdade é que os
nossos tribunais administrativos continuam a entender que os atrasos na Justiça
não são ilegais, não sendo o Estado responsável pelos mesmos.
Saliente-se que na
avaliação da “excessiva duração” de um processo, o TEDH tem em conta as
circunstâncias concretas do caso, nomeadamente a sua complexidade, o
comportamento das partes e das instâncias oficiais envolvidas, bem como a
questão em discussão, não aplicando qualquer critério numérico do tipo cada
processo deve durar no máximo X anos. Mas os tribunais administrativos
portugueses, pura e simplesmente, não “querem” reconhecer que as autoridades
nacionais, normalmente os próprios tribunais, falharam nas suas obrigações,
numa espécie de corporativismo absolutamente deslocado e atávico. E conseguem
sempre descobrir razões para não indemnizar. Por exemplo, que não houve
prejuízos: como se estar anos à espera de uma decisão judicial não fosse, em si
mesmo, um prejuízo…
A firma em questão
tinha recorrido aos tribunais administrativos para ser indemnizada pelos atrasos
nos processos judiciais e nada conseguiu, sendo certo que um dos processos que
intentara contra o Estado ainda se arrastava pelos tribunais administrativos
aquando da decisão do TEDH e um outro já tinha decidido definitivamente que
nada havia a indemnizar pelo Tribunal Central Administrativo do Norte.
É pena que esta
mentalidade jurídico-corporativa continue tão disseminada pelos nossos juízes
administrativos. Passamos por esta vergonha europeia de não só termos processos
excessivamente atrasados como de não termos meios de reagir eficazmente a esses
atrasos. O TEDH, para além de declarar a violação por Portugal desses direitos,
condenou o nosso país a indemnizar a empresa em causa, a título de danos
morais, na quantia de € 16.400 e em € 2000 para as despesas do processo.
P.S.: O abandono
do PÚBLICO pela jornalista Maria José Oliveira, independentemente das razões
para a sua decisão, para além de ser um prejuízo para o jornal, é uma miserável
vitória do inefável ministro Relvas.
Público 2012-06-08
Sem comentários:
Enviar um comentário