A violação
do segredo de justiça em Portugal é "usual" e "sem réus",
em que todos são culpados e ninguém está inocente, disse , na Cidade da Praia,
o Procurador-Geral da República português, Pinto Monteiro.
Fernando
Pinto Monteiro, que está em Cabo Verde a participar como orador no ciclo de
conferências "Ministério Público e o Combate ao Crime Económico e
Financeiro", promovido pela congénere cabo-verdiana, sublinhou que, por
via disso, "ninguém pode ofender-se" por estar sob suspeita.
"Não há
inocentes na fuga de informação. As fugas de informação vêm de quem está dentro
do processo e de quem está fora do processo. Pode vir dos magistrados,
advogados e até da própria pessoa, se lhe interessar. Se não lhe interessar não
dá", afirmou.
"Somos
todos culpados, aqui não há ninguém inocente. Pode haver uma presunção de
inocência, mas ninguém pode ofender-se por estar sob suspeição. Já tenho visto
fugas de informação que vieram de dentro, mas não sei de quem. Da polícia? Do
Ministério Público? Dos juízes? Dos advogados? Não sei. Mas a verdade é que,
infelizmente, a violação do segredo de justiça é usual em Portugal e sem réus.
Nunca se apura", sustentou.
Orador no
painel "Comunicação Social e Justiça", e resumindo a intervenção à
Lusa, Pinto Monteiro deu ainda como "aspeto negativo" da imprensa
portuguesa o facto de fazer juízos de opinião quando devia limitar-se apenas
aos factos, criticando, ao mesmo tempo, a falta de investigação criminal
jornalística em Portugal.
"Uma
coisa é a imprensa investigar, mas a investigação criminal em Portugal, por
parte da Comunicação Social, é muito pequena. Passa mais pelo telefonema e
pelas fontes anónimas, que muitas vezes não existem, do que propriamente pela
investigação", afirmou.
"Mas quando a comunicação social faz uma acusação contra A, B ou C,
essa acusação fica para toda a vida. Vem-se depois a provar que não há crime,
vem-se a provar que nem sequer se instaurou processo ou que se instaurou um e o
julgamento resultou em absolvição", acrescentou Pinto Monteiro."É verdade que o tempo da comunicação social é quase imediato e o da Justiça é lento e demorado. Percebo que a comunicação social tem de dar a notícia sobre o acontecimento, que não pode esperar pelo decurso do tribunal, mas tem de ter, pelo menos, um princípio de razoabilidade, para não se dar uma notícia, muitas vezes sem qualquer base, só porque se ouviu dizer ou por fonte anónima. Isso é uma condenação feita", sublinhou o PGR português.
Para Pinto Monteiro, "um dos males" que há em Portugal desde o 25 de abril de 1974, "que felizmente acabou a censura e estabeleceu a liberdade de imprensa", é "ter pegado a moda de tentar resolver problemas políticos através de processos" judiciais.
"Se se quer perseguir um adversário político, levanta-se uma suspeição, que dá muitas vezes origem a um processo judicial. Se não dá, acusa-se depois os tribunais de não dar. E uma pessoa fica condenada para toda a vida. Tem de haver uma consciência ética de jornalista e de responsabilização, que não há nenhuma. De uma forma geral, não a tenho visto", referiu.
Como "aspeto positivo" da intervenção da comunicação social na Justiça, Pinto Monteiro ressalvou o papel na denúncia da violência doméstica, nas escolas ou contra idosos.
"A posição da comunicação social tem sido boa no sentido de denunciar os crimes. Foram os meios de comunicação social, com o auxílio da PGR, que puseram a violência escolar nas primeiras páginas dos jornais", exemplificou.
No entanto, lembrou os perigos dos "crimes de imitação", recordando que, antes do "25 de abril", o Estado não deixava publicar notícias sobre suicídios.
"Sou contra essa censura mas deve haver uma autocensura ética do jornalista", defendeu.
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