António
Cluny — Será conveniente um modelo organizativo que, consistentemente, permita
congregar numa única procuradoria magistrados especializados em diferentes
áreas do direito.
Nos finais
de Junho, em Belgrado, a MEDEL vai organizar, em conjunto com as associações de
juízes e procuradores sérvios, uma conferência sobre o fenómeno da corrupção,
que nos dias de hoje aflige as sociedades europeias e agrava a crise.
Na
discussão deste tema, o exemplo do Tribunal de Contas (TC) português constitui
uma referência. Com efeito, enquanto fiscaliza a legalidade das receitas e da
despesa pública, tem contribuído também, através dos relatórios das suas
auditorias, para prevenir e combater decisivamente a corrupção. Além de que, ao
contrário do que acontece noutros países, o Ministério Público (MP) é ali
representado por magistrados que integram o corpo único de procuradores da
República.
De
um lado, o MP dispõe no TC de uma competência conatural ao seu estatuto: a
iniciativa para demandar em sede sancionatória e reintegratória todos quantos
os relatórios de auditoria identificam como autores de infracções financeiras.
De
outro, o mesmo Ministério Público, porque representado por elementos do corpo nacional
dessa magistratura única, está perfeitamente habilitado, também, a, quando se
justifique, desencadear todo o tipo de iniciativas adequadas à
responsabilização dos mesmos responsáveis na jurisdição penal e administrativa.
Hoje muitos dos mais importantes processos de corrupção que correm nos
tribunais judiciais do nosso país resultam já directamente dos alertas e das
participações que o Ministério Público junto com o Tribunal de Contas
concretiza junto de outras jurisdições.
Seria,
porém, possível e desejável ir mais além. Refiro-me à capacidade da organização
interna do Ministério Público de articular, a nível das diferentes jurisdições
que integram o poder judicial, uma estratégia judiciária única e combinada.
A
concretização organizativa de uma tal estratégia poderia impedir os efeitos
socialmente perniciosos dos actos e contratos geradores da despesa ilícita,
prevenir e recuperar os danos já produzidos ao erário público e punir,
financeira e criminalmente, os distintos agentes das acções ilegais detectadas
pelas auditorias. Se é" verdade que o sistema português possibilita a
acção interactiva do Ministério Público nas diferentes jurisdições, não fornece
ainda, todavia, uma estrutura adequada que potencie essa virtualidade.
Será
conveniente, para uma eficaz intervenção sobre a corrupção, um modelo
organizativo que, consistentemente, permita congregar numa única procuradoria
magistrados especializados em diferentes áreas do direito: financeiro,
administrativo, urbanístico e criminal.
Carece-se,
de facto, afinal, de um modelo optimizado que, simultaneamente, concentre,
planeie e execute uma acção coordenada e eficiente do Ministério Público.
Completar o dispositivo horizontal e territorial do Ministério Público junto de
cada jurisdição com um dispositivo vertical, multiespecializado e capaz de
intervir, em simultâneo e coordenadamente, em todas as jurisdições e fases
processuais nos casos associados à corrupção ou à criminalidade económica mais
graves, poderia ser a solução. Em tais casos, só conseguindo planificar uma
estratégia processual única, por via do uso adequado e conjunto de acções
judiciais distintas, será verdadeiramente possível a contenção dos danos
futuros, a recuperação dos que já foram produzidos e a punição dos responsáveis
pelas ilegalidades e pelos crimes associados.
António
Cluny
ionline
de 12-06-2012
Sem comentários:
Enviar um comentário