terça-feira, 12 de junho de 2012

Para lidar com eficiência e em tempo útil com a corrupção


António Cluny — Será conveniente um modelo organizativo que, consistentemente, permita congregar numa única procuradoria magistrados especializados em diferentes áreas do direito.
Nos finais de Junho, em Belgrado, a MEDEL vai organizar, em conjunto com as associações de juízes e procuradores sérvios, uma conferência sobre o fenómeno da corrupção, que nos dias de hoje aflige as sociedades europeias e agrava a crise.
Na discussão deste tema, o exemplo do Tribunal de Contas (TC) português constitui uma referência. Com efeito, enquanto fiscaliza a legalidade das receitas e da despesa pública, tem contribuído também, através dos relatórios das suas auditorias, para prevenir e combater decisivamente a corrupção. Além de que, ao contrário do que acontece noutros países, o Ministério Público (MP) é ali representado por magistrados que integram o corpo único de procuradores da República.
De um lado, o MP dispõe no TC de uma competência conatural ao seu estatuto: a iniciativa para demandar em sede sancionatória e reintegratória todos quantos os relatórios de auditoria identificam como autores de infracções financeiras.
De outro, o mesmo Ministério Público, porque representado por elementos do corpo nacional dessa magistratura única, está perfeitamente habilitado, também, a, quando se justifique, desencadear todo o tipo de iniciativas adequadas à responsabilização dos mesmos responsáveis na jurisdição penal e administrativa. Hoje muitos dos mais importantes processos de corrupção que correm nos tribunais judiciais do nosso país resultam já directamente dos alertas e das participações que o Ministério Público junto com o Tribunal de Contas concretiza junto de outras jurisdições.
Seria, porém, possível e desejável ir mais além. Refiro-me à capacidade da organização interna do Ministério Público de articular, a nível das diferentes jurisdições que integram o poder judicial, uma estratégia judiciária única e combinada.
A concretização organizativa de uma tal estratégia poderia impedir os efeitos socialmente perniciosos dos actos e contratos geradores da despesa ilícita, prevenir e recuperar os danos já produzidos ao erário público e punir, financeira e criminalmente, os distintos agentes das acções ilegais detectadas pelas auditorias. Se é" verdade que o sistema português possibilita a acção interactiva do Ministério Público nas diferentes jurisdições, não fornece ainda, todavia, uma estrutura adequada que potencie essa virtualidade.
Será conveniente, para uma eficaz intervenção sobre a corrupção, um modelo organizativo que, consistentemente, permita congregar numa única procuradoria magistrados especializados em diferentes áreas do direito: financeiro, administrativo, urbanístico e criminal.
Carece-se, de facto, afinal, de um modelo optimizado que, simultaneamente, concentre, planeie e execute uma acção coordenada e eficiente do Ministério Público. Completar o dispositivo horizontal e territorial do Ministério Público junto de cada jurisdição com um dispositivo vertical, multiespecializado e capaz de intervir, em simultâneo e coordenadamente, em todas as jurisdições e fases processuais nos casos associados à corrupção ou à criminalidade económica mais graves, poderia ser a solução. Em tais casos, só conseguindo planificar uma estratégia processual única, por via do uso adequado e conjunto de acções judiciais distintas, será verdadeiramente possível a contenção dos danos futuros, a recuperação dos que já foram produzidos e a punição dos responsáveis pelas ilegalidades e pelos crimes associados.
António Cluny
ionline de 12-06-2012

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