A
ação disciplinar sobre os advogados, quando violem as regras da
profissão, vai poder ser desencadeada pelo Ministério Público
(MP), passando a estar controlados pela autoridade judiciária,
segundo uma proposta do Governo que altera o quadro legal das ordens
profissionais. Trata-se de uma competência que hoje está atribuída,
em exclusivo, aos conselhos de deontologia da ordem a que pertencem.
Os
advogados estão revoltados com a possibilidade de virem a ser
controlados pelos magistrados. Na sexta-feira, reuniram-se em
Assembleia Geral, na sede da Ordem, em Lisboa, para repudiarem aquela
proposta que altera o quadro legal de todas as 14 ordens
profissionais existentes em Portugal. Conforme o bastonário António
Marinho e Pinto explicou ao DN, está em causa a proposta de lei
sobre as Associações Públicas Profissionais que se encontra em
debate público, a qual, em seu entender, "reduz a advocacia a
uma mera atividade económica". O diálogo com o Governo está
em aberto, e o bastonário diz-se confiante em que se possa evitar "a
entrega da advocacia às leis do mercado". A proposta atinge uma
das mais "sacrossantas" prerrogativas da advocacia: ser a
própria Ordem a agir disciplinarmente sobre os advogados que violem
as regras da profissão. Mas a proposta elaborada pelo Ministério da
Economia, e que resulta do memorando da troika, vai no sentido de que
o procedimento disciplinar possa ser desencadeado, também, pelo
Ministério Público.
Isto
é uma revolução que o bastonário repudia. "Os advogados são
fundamentais para a boa administração da justiça, sem a qual não
há Estado de direito nem democracia", disse ao DN. Por isso,
explicou, "a lei atribuiu-lhes imunidades, ou seja, garantias de
que, em caso de infração, não vão ser sancionados por outras
entidades que não os órgãos da sua ordem". Marinho e Pinto
admite que a advocacia tem de se modernizar, e até reconhece que a
Ordem, em muitos aspetos, é"exageradamente corporativista".
Mas adverte: "Para que a atividade possa ser exercida em
plenitude não pode estar dependente do Ministério Público, nem do
Governo." Em seu entender, "a proposta do vai exatamente
nesse sentido".
"Só
há duas profissões privadas a que a Constituição da República
reconhece a necessidade de se atribuir garantias, devido ao seu
superior interesse público: os jornalistas e os advogados",
lembrou. "Os jornalistas são fundamentais para a liberdade de
imprensa, sem a qual não há democracia nem Estado de direito; os
advogados são fundamentais para a boa administração da justiça,
sem a qual também aqueles valores não existem." A indignação
dos advogados foi toda exteriorizada na Assembleia Geral que a Ordem
acolheu na sexta-feira. "Dali saiu uma posição que,
conjuntamente com a proposta, possa servir de base de diálogo com o
ministro da Economia", vaticinou o bastonário. O diálogo é
necessário porque, adiantou, há outros e não menos polémicos
temas que os advogados repudiam na proposta, como sejam, por exemplo,
a liberalização da publicidade na advocacia, e a possibilidade de
os advogados estrangeiros exercerem em Portugal sem necessidade de se
inscreverem na Ordem (ver texto acima).
Advocacia
com publicidade liberalizada
A
proposta de lei do Governo para regulamentar as associações
públicas profissionais, em debate público, poderá revolucionar a
advocacia.
A
publicidade vai ser liberalizada, obedecendo às mesmas regras que
qualquer outro produto comercial. Por outro lado, os advogados
estrangeiros vão poder instalar-se em Portugal e trabalhar sem
necessidade de inscrição na Ordem. E as sociedades de advogados vão
poder ter, entre os seus sócios, profissionais de outras áreas.
Trata-se de alterações que mexem "na essência axiológica da
própria profissão, no âmago da sua identidade" defende o
bastonário António Marinho e Pinto. Ao DN, disse que "o
Governo considera que todas as ordens são iguais, como se todas
exercessem atividades económicas". Em seu entender, a proposta,
que ainda tem de ser aprovada na Assembleia da República, "reduz
a advocacia às leis do mercado", e "anula a axiologia da
profissão".
Estatutos
têm de ser alterados
Com
a atribuição de competências ao Ministério Público (MP) para
desencadear o procedimento disciplinar sobre os advogados, os
estatutos que regulam a Ordem profissional vão ter de ser alterados.
Neste momento, um magistrado do MP que detete um advogado a violar as
regras tem de comunicar o facto à Ordem para que esta inicie os
procedimentos disciplinares. Com a nova lei, depois de aprovada, o
próprio magistrado terá poderes para abrir o processo disciplinar e
deduzir a respetiva acusação.
Licínio
Lima
Diário
de Notícias de 24-06-2012
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