A decisão tem poucos efeitos práticos - Baltasar Garzón foi já excluído da magistratura -, mas o antigo juiz da Audiência Nacional espanhola conseguiu ontem uma pequena vitória, ao ser absolvido no processo em que era acusado de ter excedido as suas competências quando, em 2008, tentou abrir uma investigação aos crimes da ditadura franquista.
“O Supremo Tribunal conseguiu evitar um escândalo de proporções maiores”, reagiu a Human Rights Watch, sublinhando que “a investigação a crimes de tortura e desaparecimento nunca pode ser considerada um delito”. O grupo de defesa dos direitos humanos foi uma das organizações a enviar observadores a Madrid para assistir ao mais mediático dos três processos desencadeados contra Garzón naquela instância. Também a Comissão Internacional de Juristas saudou a absolvição, mas acrescentou que é tempo de “Espanha decidir se quer ou não enfrentar o seu passado”.
O caso chegou a tribunal pela mão de duas associações próximas da extrema-direita que pediam que o antigo magistrado fosse punido com uma multa de 21 mil euros e a proibição de exercer durante 20 anos. O seu crime: ter-se declarado competente para investigar o desaparecimento de milhares de opositores ao regime de Francisco Franco (1936-1975) e autorizado escavações em 19 locais onde se suspeita existirem valas comuns, ignorando a amnistia aprovada aquando da transição para a democracia.
Na sentença conhecida ontem - aprovada por seis votos contra um -, o Supremo Tribunal conclui que Garzón cometeu erros quando aceitou investigar as denúncias apresentadas por 22 associações de familiares das vítimas, mas sublinha que tais falhas “não constituem delito de prevaricação”.
Um dos seus erros, alegam os juízes, foi o de tipificar os desaparecimentos como crimes contra a humanidade, um conceito criado por legislação que só seria aprovada anos mais tarde. Da mesma forma, o Supremo entendeu que os factos em causa estão abrangidos pela Lei da Amnistia, aprovada em 1977 com um “consenso total” de todos as forças representadas na Assembleia Constituinte. “Trata-se de uma lei vigente cuja eventual anulação é competência exclusiva do Parlamento”, lê-se na sentença.
Garzón, que na última audiência se dissera de “consciência tranquila” por ter tentado “punir os crimes maciços” cometidos durante a ditadura, manteve ontem o mesmo silêncio que adoptou desde que foi condenado, no início do mês, por ter ordenado escutas entre acusados e advogados no âmbito do caso Gurtel, como ficou conhecida a investigação à rede de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Partido Popular valenciano.
Pelo caso, Garzón ficou proibido de exercer durante 11 anos - uma condenação que representou o fim da carreira judicial do homem que, em 1998, se tornou mundialmente famoso ao ordenar a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet.
Por Ana Fonseca Pereira
Público de 28-02-2012
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