sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Ministério Público contra agravamento das penas de condenados da Casa Pia


Posição do procurador responsável pela acusação impede cinco dos arguidos de recorrerem para o Supremo. Só Carlos Silvino, o único condenado a mais de oito anos de prisão, poderá fazê-lo
As penas entre os cinco e os 18 anos de prisão efectiva a que foram condenados seis dos arguidos do processo Casa Pia não deverão ser agravadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que, a verificar-se, inviabilizará a possibilidade de cinco deles interporem novos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça.
Esta é a consequência da posição assumida ontem pelo representante do Ministério Público naquele tribunal superior, o procurador João Parracho, que defendeu a manutenção das penas aplicadas pelos juízes da primeira instância. Esta posição contraria o entendimento do procurador responsável pela acusação no julgamento, João Aibéo, no recurso que interpôs para a Relação, no qual pedia penas mais duras para os condenados, bem como a condenação da única arguida absolvida, Gertrudes Nunes, proprietária de uma casa em Elvas indicada como um dos locais onde terão ocorrido abusos sexuais de menores casapianos.
Na audiência realizada ontem e destinada à apreciação do recurso do acórdão da Casa Pia, João Parracho notou que os acusados no processo já foram “duplamente condenados”, no tribunal e na “praça pública”, o que causa “danos irreparáveis e perversos”, já que não são passíveis de recurso. E defendeu que os arguidos “têm de cumprir a pena em sossego”.
Referiu-se também durante a sua intervenção à figura do crime do crime continuado e notou que na matéria dada como provada em primeira instância não houve “alteração substancial dos factos”, ao contrário do que alegou a defesa de Carlos Cruz. O procurador disse ainda estar convicto de que este processo “ficará arrumado nesta instância”, ou seja, no Tribunal da Relação.
Apesar de considerar as penas aplicadas “suficientes”, Parracho pediu, contudo, a condenação de Gertrudes Nunes. A sua posição impede que o Tribunal da Relação agrave as penas, tendo em conta o princípio jurídico de que, no caso de recurso, um arguido não pode ter a sua pena agravada. E ao não se verificar o agravamento das penas, não será também possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, que apenas admite recursos nos casos em que as penas sejam iguais ou superiores a oito anos. Carlos Silvino, condenado a 18 anos de prisão, é o único nestas condições. A todos os outros arguidos foram aplicadas penas inferiores a esse limite.
Sala cheia na Relação
A decisão dos juízes do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o futuro dos seis condenados será conhecida já no próximo dia 23. O anúncio foi feito pelo juiz desembargador Rui Rangel, que presidiu à audiência de ontem, coadjuvado pela relatora do processo de recurso, Guilhermina Freitas, e pelo seu adjunto, Calheiros da Gama. Estes magistrados apreciaram os milhares de páginas do acórdão durante dez meses e elaboraram já um projecto de acórdão para uma decisão final.
Na sessão de ontem intervieram também os advogados dos condenados no processo que, mais uma vez, reivindicaram em alegações a inocência dos seus constituintes. Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, no seguimento das críticas que tem vindo a fazer ao tribunal que julgou o antigo apresentador de televisão, voltou a falar da inexistência de uma “única prova” contra Cruz neste processo e disse que o acórdão que condenou o seu cliente a sete anos de cadeia por abusos sexuais de ex-alunos casapianos é “filho de um vergonhoso preconceito”. Este caso “é um embuste”, disse. “Nunca existiu.”
Considerando que o acórdão é nulo por violação de várias normas, Sá Fernandes voltou a afirmar que o processo foi construído em “mentiras” e “fantasias”. E, dirigindo-se aos juízes, pediu que admitissem que a condenação do apresentador de televisão foi um “erro judiciário”, notando que este não atinge unicamente os “humildes e os desafortunados”, mas também os “poderosos”. “A vida de Carlos Cruz está nas vossas mãos”, terminou, pedindo aos magistrados: “Ponham-se no lugar dele”.
Já Miguel Matias, advogado dos antigos alunos da Casa Pia vítimas de abuso sexual, defendeu o agravamento das penas e a condenação de Gertrudes Nunes. “Tudo o que os jovens disseram sobre os abusos sexuais é verdade”, disse, acabando por pedir justiça e ironizar, afirmando que “Portugal é um país de inocentes”.
Público, advogados e jornalistas ocuparam toda a sala de audiências da Relação para assistir à audiência, que foi também acompanhada por três dos arguidos que ali se deslocaram: Carlos Cruz, Ferreira Dinis e Manuel Abrantes. À entrada no tribunal, Cruz disse ter a expectativa de “que se faça justiça e se apure a verdade”, afirmando ter a “consciência tranquila”.
No dia 23, o acórdão dos desembargadores será conhecido. Se a decisão de condenar os arguidos às penas de prisão se mantiver, estes poderão ainda recorrer para o Tribunal Constitucional, o que tem efeito suspensivo, podendo continuar em liberdade até nova decisão.
Por Paula Torres de Carvalho
Público 2012-02-10

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