por JOÃO MARCELINO
1. Um dos piores defeitos da política "à portuguesa" é a rotina com que os sucessivos governos destroem quase tudo o que encontram para de imediato começarem a construir aquilo que os que virão a seguir inevitavelmente hão de destruir. É uma política de terra queimada impulsionada pela pequenez do aparelho partidário, a sofreguidão do (novo) negócio e, às vezes, tão-só falta de sentido de Estado.
Felizmente há um sector que constitui um exemplo em sentido contrário: o das relações comerciais internacionais, a chamada "diplomacia económica".
Esta semana, a primeira visita à Europa do novo Presidente da Venezuela (país onde trabalham centenas de milhares de cidadãos nacionais) escolheu Portugal. Nicólas Maduro fez uma viagem de amizade e de negócios que terá significado cerca de seis mil milhões de euros a empresas portuguesas, da construção civil aos estaleiros de Viana do Castelo.
É justo reconhecer que no âmbito da diplomacia económica Passos Coelho e Paulo Portas têm desenvolvido o trabalho de José Sócrates - e Portugal tem mantido coerência nesta área, acrescentando até dinamismo com o trabalho concreto da AICEP de Pedro Reis. Na Venezuela como na China, e em outras latitudes, este governo, tal como o anterior, tem ignorado a demagogia política e o romantismo intelectual de comentadores que demonstram não perceber nada do mundo real.
2. A questão é recorrente. Sempre que se anuncia um acordo ou um negócio logo um grupo de ativistas da palavra, para quem a globalização parece constituir algo de surpreendentemente novo, desenvolve por aí interessantes lucubrações sobre a higiene associada ao dinheiro. Eles têm, entre outras virtudes - que felizmente nunca serão chamados a provar -, a capacidade de atestar o estado de pureza das democracias.
Para este grupo de pressão da sociedade portuguesa, que vive de se indignar de barriga cheia, há, consoante as latitudes, eleições boas e eleições más. E num país que regista das maiores desigualdades sociais da União Europeia, eles também são capazes de apontar nos outros o que nos falta a nós: necessidade de distribuir melhor a riqueza.
Esta gente não percebe nada das dificuldades da vida real de muitos portugueses no estrangeiro, e nem sequer consegue relevar a importância para o País da diversificação da origem dos investimentos.
Tudo serve para fazer política e demagogia, arrancar uns sound bites que os fazem parecer génios entre os apaniguados. É uma "fauna" que tem na comunicação social a importância que felizmente o País ignora.
3. É nestas alturas que convém lembrar que para monitorizar e regular a ação dos diversos países existem organismos internacionais - e é lá que Portugal tem de expressar as suas convicções e travar as suas lutas.
Além do mais, as trocas comerciais, mesmo com países não democráticos - o que não é seguramente o caso da Venezuela, pelo menos no que a eleições diz respeito -, têm uma enorme virtude: são, por si mesmo, um fator de democratização.
A crescente financeirização do mundo dá-nos, aliás, uma certeza: os grandes perigos não dispensam opiniões públicas atentas mas só podem ser combatidos em conjunto, nas Nações Unidas, nos organismos internacionais, políticos, comerciais e outros. Não temos - nem quando o Governo anterior negociava investimentos com a ditadura Líbia - de assumir o papel de ingénuos. O mundo é assim. Todos percebemos, por exemplo, que antes das bombas começarem a cair sobre Khadafi já as multinacionais de alguns países tinham assinado compromissos com os rebeldes.
O Governo português nesta matéria tem andado bem, colocando no terreno as prioridades certas. E isso deve ser dito, não vá alguém pensar que em Portugal só vivem lunáticos.
O discurso de Paulo Portas esta semana teve a duração de uma comunicação ao povo na América Latina e balizou o comportamento do CDS no Governo até à saída da troika. O congresso do partido, portanto, já arrancou...
Diário de Notícias, 22 de Junho de 2013
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