'O caso' do provedor de Justiça
Há um pouco mais de quatro anos, falava nesta coluna de uma «democracia doente». Havia, e hoje ainda há mais, razões para pensar ser esse o seu estado, mas. no caso, referia-me sobretudo ao espetáculo triste do Parlamento não conseguir eleger um provedor de Justiça. E a última proposta do PS, que o PSD inviabilizara (a eleição exige uma maioria de dois terços), fora a de Jorge Miranda, espírito independente, reputado professor de Direito e um dos «pais» da Constituição, pelo PPD (agora PSD). A situação atingiu foros de escândalo, até os dois partidos (o Governo, monocolor, era então PS) conseguirem encontrar uma bóia de salvação: Alfredo José de Sousa (AJS). conselheiro jubilado, presidente do Tribunal de Contas (TC), com geral aprovação, entre 1995 e 2005. Que foi eleito por 197 deputados, só com quatro votos contra.
Ao longo do seu mandato de quatro anos, que agora chega ao fim, não vi contestada por ninguém, antes vi aplaudida, a forma como o exerceu. Os seus relatórios anuais foram elogiados e aprovados por unanimidade. O provedor pode ser reeleito uma vez, fazendo um segundo mandato. E foi o que sucedeu com os dois únicos antecessores de AJS eleitos após a lei o permitir: Menéres Pimentel e Nascimento Rodrigues.
Ambos militantes e antigos altos dirigentes do PSD (o primeiro até presidente do grupo parlamentar e da Comissão Política), além de ministros de governos do partido (como o anterior, Mário Raposo).
Neste contexto, tinha-se como certo que PSD e PS proporiam a reeleição de AJS e não voltaria a acontecer o mesmo - ou, dadas as circunstâncias, Dior - do que em 2009. Mas, pelos vistos, para aí vamos.
Porque, após uma sua entrevista à RDP o PSD veio declarar que não apoiaria tal reeleição, porque o provedor tinha deixado de ser «isento e imparcial» no exercício do cargo (nessa entrevista, em resposta a uma pergunta. AJS admitiu a possibilidade de queda do Governo, mas que só o CDS poderia provocar, nesse caso considerando melhor que as legislativas coincidissem com as autárquicas). Mais, o PSD propunha-se falar com o PS para a «a apresentação de uma candidatura de uma personalidade que possa ser compatível em termos de currículo e de perfil» com tal exercício.
ORA, QUALQUER QUE TENHA SIDO a resposta de AJS ao que lhe foi perguntado, e a nossa opinião sobre ela, não altera um milímetro ao seu perfil e currículo de décadas, como magistrado e nas altas funções que ocupou. Não lhe dá, no passado ou no presente, nenhuma posição e/ou intervenção política e partidária, como a dos seus antecessores que foram importantes dirigentes do PSD. Além disso, que ato concreto de falta de independência, isenção ou imparcialidade o PSD alguma vez lhe imputou, como provedor ou presidente do TC, ao longo de 14 anos? E, por acaso, não será legítimo o provedor fazer-se eco das preocupações e dos protestos legítimos que lhe chegam dos cidadãos? E, por acaso, não pertence ele ao Conselho de Estado onde pode, e deve, dar opiniões políticas?
Não houve o mínimo desvio, por parte de AJS, do cumprimento dos seus deveres e do exercício dos seus direitos. O PSD quererá é impedir uma liberdade, ou castigar um (na sua ótica) delito de opinião. Uma opinião que pode não lhe agradar, mas de que não é legítimo tirar as consequências que tirou.
Aliás, isso faz tão pouco sentido que não falta quem pense tratar-se de um mero pretexto: a verdadeira razão da sua atitude residiria no facto de, ainda e sempre nos termos da Constituição e da lei, Alfredo José de Sousa ter requerido a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalídade de algumas normas do Orçamento do Estado de 2013. O que, claro, também não é razão nenhuma - bem pelo contrário...
ASSIM, PREVÊ-SE E TEME-SE o pior. A solução ainda possível será o PSD reconsiderar, num ato nem digo de humildade mas de bom senso, de coerência com os valores e interesses em jogo e não de insistência numa posição a essa luz indefensável; em defesa da democracia, da política e das instituições e não da intangibilidade de um partido ou de um Governo. E além do que vale em si mesmo, este «caso» do provedor tem e terá também um significado simbólico, podendo lesar ainda mais a imagem de um Parlamento que a sua presidente, Assunção Esteves, se tem empenhado em (re)prestigiar.
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