Equipa de Paula Teixeira da Cruz procura acabar com 1,6 milhões de processos parados nos tribunais. Já nos portos, o Governo quer convencer a ‘troika’ de que não é necessária uma ‘holding’.
Justiça leva à ‘troika’ plano para tirar expropriações dos tribunais
Visita intercalar da missão arranca com a área da Justiça. Equipa de Paula Teixeira da Cruz vai apresentar proposta para rever regime de expropriações.
Inês Davld Bastos
A equipa do Ministério da Justiça leva hoje à reunião com a ‘troika’ uma proposta que tenta retirar dos tribunais os processos de expropriação. A revisão do Regime das Expropriações não estava incluído no memorando assinado em 2011 com o FMI, BCE e Comissão Europeia mas o Ministério da Justiça quer mostrar aos credores internacionais que está a mexer em todas as áreas para conseguir cumprir uma meta que, essa sim, consta do memorando: acabar com os mais de 1,6 milhões de processos parados nos tribunais até 2014.
Por isso, além das mexidas na área cível e, sobretudo, nas acções de cobrança de dívidas, onde o problema das pendências é mais grave (texto em baixo), a equipa de Paula Teixeira da Cruz vai apresentar também na reunião de hoje com a ‘troika’ – a primeira da visita intercalar que arrancou ontem – mudanças na área administrativa.
Entre estas, está o projecto de revisão do processo de expropriações que foi elaborado por uma comissão nomeada pela ministra e liderada pelo especialista José Miguel Sardinha (ver entrevista ao lado). O diploma, a que o Diário Económico teve acesso, será também apresentado publicamente hoje e, entre as mexidas, está uma que marca a reforma: as expropriações por utilidade pública terão de ser obrigatoriamente precedidas de uma negociação entre Estado e cidadão e submetidas à arbitragem caso não se chegue a acordo na indemnização. Como se lê no preâmbulo do diploma, o objectivo último desta mudança passa por retirar as acções de expropriação dos tribunais e reduzir os custos para o Estado, dado que não terá de pagar custas judiciais e honorários a advogados.
O Ministério da Justiça não tem individualizado no seu ‘site’ o número de acções cíveis e administrativas que respeitam a processos relacionados com expropriações (ou por causa do valor ou por irregularidades na declaração de utilidade pública) mas o advogado da Miranda Law Renato Guerra de Almeida reconhece ao Diário Económico que existe “bastante litigância” nos tribunais.
Valor da indemnização leva muitos cidadãos a litigar
“Existe uma clara tentativa de esvaziar os tribunais destes processos”, explica Renato Guerra de Almeida, rematando que uma das principais novidades do projecto é mesmo a arbitragem obrigatória. A maioria das vezes que os cidadãos recorrem para tribunal prende-se com o baixo valor que a Administração Pública oferece como “justa indemnização” pela expropriação do terreno ou de outro bem. Com esta proposta, estes litígios seguirão directamente para tribunais arbitrais e não para os comuns (embora o recurso a processo judicial possa existir no limite).
“Quisemos evitar a entrada destes processos nos tribunais”, reconheceu José Miguel Sardinha, esclarecendo que a obrigatoriedade de negociação e a arbitragem vão servir como “antecâmaras” para evitar que a acção passe para o plano judicial.
Expropriação amigável e expropriação ‘por sacrifício’.
O objectivo da comissão ao impor a negociação prévia com a Administração Pública (directa e indirecta, incluindo autarquias e regiões autónomas) é o de levar o Estado a adquirir o bem que exige por questões de utilidade pública através de um contrato de compra e venda. Isto é, transformar a retirada do bem numa “expropriação amigável”.
Mas a reforma proposta pela comissão propõe outra novidade, a que os peritos chamam de “expropriação por sacrifício”. Uma figura que já existe noutros ordenamentos jurídicos europeus. A ideia aqui, explica José Miguel Sardinha, passa por defender o direito à propriedade privada, consagrado constitucionalmente. Assim, com base nesta nova figura, o Estado vai ter de pagar também uma “justa indemnização” nos casos em que restringe ou limite o direito do proprietário ao seu bem. Vejamos, como exemplo, um cidadão que tem um determinado terreno e vê a autarquia incluí-lo no Plano de Ordenamento do Território; inutilizando o uso económico do bem. O cidadão mantém a propriedade do terreno – não sendo, por isso, uma expropriação – mas não o pode utilizar. Ao abrigo do código em vigor (que remonta a 1999), o cidadão pode receber uma reparação financeira mas nunca a valores da “justa indemnização”. O que a comissão agora prevê é que o cidadão seja indemnizado como se se tratasse de uma verdadeira expropriação.
A proposta prevê ainda que todos os conflitos em matéria de expropriações passem para os tribunais administrativos, uma mudança já repudiada pelo Conselho Superior da Magistratura, que alega que os juizes dos tribunais administrativos e fiscais não têm formação para julgar os processos em que se discute o valor da indemnização a dar pela expropriação. Actualmente, estes litígos estão nos tribunais comuns e apenas os conflitos sobre . o pedido de utilidade pública, alegado pelo Estado para expropropriar, estão com os tribunais administrativos.
QUATRO PERGUNTAS A…
JOSÉ MIGUEL SARDINHA Mestre em Direito e presidente da comissão para reforma das expropriações
“Administração não pode ver cidadão como alvo a abater”
Aproximar a Administração Pública dos cidadãos e retirar acções dos tribunais foram duas ideias-chaves que nortearam o trabalho da comissão que apresentou novas regras para acções de expropriação.
- Porque é que criaram a figura da “expropriação por sacrifício”?
- Temos de garantir que não há supressão de um direito fundamental, que é o direito à propriedade privada, e que o particular não é apanhado às escondidas pela Administração Pública. Esta figura dá-se nos casos em que não há expropriação da propriedade mas em que o direito se limita de tal forma que o proprietário nada pode fazer do bem. Assim sendo, o Estado terá de indemnizar.
- Isto não vai aumentar os custos para o Estado?
- Há um ditado que diz:’0uem não tem dinheiro, não tem vícios’. A partir de agora, o Estado saberá que, se quiser limitar o direito à propriedade sem ser por utilidade pública, isto é por questões de ordenamento ou de património cultural, também terá de compensar. Terá de pensar duas vezes antes de enveredar por esse caminho.
- Minimiza-se a ideia de ‘prepotência’ do Estado nas expropriações?
- A ideia é ter uma Administração Pública mais transparente, mais participativa e mais democrática e que não veja o cidadão como um alvo a abater.
- Porque é que nesta altura em que não há obras públicas se mexe nas expropriações?
- Não se prespectivando obras, é a altura certa para reflectir sobre o modelo que se quer. A reforma permitirá também tirar muitas acções dos tribunais e conseguir “expropriações amigáveis”.
Diário Económico | Terça, 25 Junho 2013
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