Público
- 05/04/2013 - 00:00
Cahuzac,
ex-ministro, mentiu descaradamente. Agora está "devastado pelos
remorsos"
O
Tribunal Constitucional está a preparar a sua magna decisão orçamental pelo
que, para evitar a acusação de estar a tentar influenciar os ilustres
conselheiros, desta vez iremos sobrevoar outras paragens.
Começando pelos Estados Unidos da América, onde muitas
"coisas" jurídicas acontecem primeiro, vale a pena conhecer o caso
United States V. Rigmaiden, a correr pelos tribunais federais no Arizona.
Daniel David Rigmaiden está acusado de vários crimes de fraude,
nomeadamente fiscal. No sentido de o localizar dentro de um complexo de
apartamentos, o Ministério Público obteve um mandado judicial para que, durante
30 dias, a operadora Verizonfornecesse
todos os dados e informações resultantes da intercepção das comunicações
telefónicas e via Internet de Daniel Rigmaiden.
Mas o Ministério Público, ao abrigo deste mandado, decidiu
também utilizar o Stingray,
um aparelho que funciona como uma falsa torre celular, que cabe numa carrinha e
que permite que o seu utilizador desvie todo o tráfego de comunicações para
essa falsa torre celular, arrastando não só a informação respeitante às
comunicações de Rigmaiden mas de muitas outras pessoas.
O caso está em tribunal porque Rigmaiden veio invocar a nulidade
das intercepções efectuadas com o Stingray pelas autoridades, por o mandado
emitido só dar poderes para obter dados através da Verizon. E, na verdade, as
autoridades policiais e o Ministério Público não tinham informado os juízes da
utilização do Stingray.
Mas o Governo, no processo, defende que o mandado relativo à Verizon é um mandado de busca às comunicações
de Rigmaiden que permite a utilização doStingray.
Várias organizações de defesa dos direitos civis já intervieram
no processo judicial apoiando Rigmaiden, não só por a utilização doStingray ultrapassar o mandado de busca, como
pelo facto de a posição do Governo pretender consagrar a existência de um
mandado de busca "em branco" ou "global" que permitiria uma
recolha indiscriminada e não controlada de informação pessoal. Se quiser
acompanhar o caso aconselha-se o altamente recomendável site da Electronic Frontier Foundation
(EFF) - https://www.eff.org/
E é também nas páginas da EFF que poderá acompanhar uma
fascinante luta judicial que decorre nos tribunais federais em Nova Iorque em
que de um lado está a Aero Inc., uma empresa que decidiu encher um telhado com
centenas de pequenas antenas cuja utilização aluga e que permitem que os
clientes recebam em streaming nos seus computadores os programas de
televisão locais que escolherem; do outro lado, estão os mais importantes
canais de televisão que pretendem que a Aero Inc. cesse de imediato as suas
actividades por estar a retransmitir os programas, violando os direitos de
autor ou copyright.
Os canais de televisão, embora aceitem que uma pessoa possa
colocar uma antena em casa e ligá-la com um cabo a um televisor e receber
gratuitamente as suas emissões, consideram que o facto de ser um terceiro o
proprietário das antenas e de a ligação não ser feita por cabo mas sim pela
Internet, lhes dá o direito de impedirem as actividades da Aero Inc.
Para já, não conseguiram, numa providência cautelar, que os
tribunais ordenassem a suspensão da actividade da Aero Inc. mas o processo
ainda vai no princípio. Certo é que a indústria procura sempre impedir e
controlar a utilização das novas tecnologias em seu benefício e em prejuízo da
inovação e dos interesses dos consumidores. Convém lembrar que a indústria do
cinema tentou impedir judicialmente a venda dos gravadores de vídeo porque a
gravação dos programas e filmes da televisão iria destruir toda a indústria!
Por último e voltando ao nosso continente, em França, o
ex-ministro do Orçamento, Jerôme Cahuzac, cujas peripécias respeitantes à
titularidade de uma conta na Suíça foram aqui referidas há quinze dias, veio
confessar a existência da conta bancária no estrangeiro, reconhecendo que a
publicação digital Mediapart tinha razão. Cahuzac tinha intentado vários
processos por difamação contra os jornalistas do Mediapart e ao demitir-se
afirmara, com grande determinação, que ia lutar pela prova da sua inocência, já
que não tinha nenhuma conta no estrangeiro. Mentia descaradamente e agora
afirma no seu blog estar "devastado pelos remorsos" (http://www.jerome-cahuzac.com/).
Tal como Lance Armstrong e muitos outros, Jerôme Cahuzac
recorreu à via judicial, acusando os jornalistas de difamação, apesar de saber
ser verdade o que eles afirmavam mas contando com a dificuldade de prova. Desta
vez, parece que Cahuzac confiava no facto de o seu dinheiro estar integrado num
conjunto de contas agrupadas em nome de um testa-de-ferro, não constando o seu
nome nos titulares. Mas a verdade é que a Suíça já não é o que era e as
investigações estavam a avançar...
Advogado. Escreve à
sexta-feira ftmota@netcabo.pt
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