Marcos Ana
Há pessoas
que parecem não pertencer ao mundo e ao tempo em que vivem. Marcos Ana é uma dessas
pessoas. Como tantos da sua geração, arrastados às prisões do fascismo
espanhol, sofreu o indizível no corpo e no espírito, escapou in extremis
a duas condenações à morte, é, em todo o sentido, um sobrevivente. A prisão não
pôde nada contra ele, e foram 23 os anos que esteve privado de liberdade. O
livro que acabou de apresentar em Portugal é o relato simultaneamente objectivo
e apaixonado desse tempo negro. O título das memórias, Diz-me
Como É Uma Árvore, não poderia ser mais significativo. Com o tempo, a
dura realidade da prisão acaba por sobrepor-se à realidade exterior, diluindo-a
numa imprecisa neblina que é preciso expulsar da mente em cada dia que passa
para não se perder a segurança em si mesmo, por mais frágil que se torne.
Marcos Ana não só se salvou a si mesmo, salvou também a muitos dos seus
companheiros de cárcere, incutindo-lhes ânimo, solucionando problemas e
conflitos, como um juiz de paz de nova espécie. Firme nas suas convicções
políticas, mas sem permitir que o seu juízo crítico seja afectado, Marcos Ana
transmite a quem quer que se aproxime dele um irreprimível sentimento de
esperança, como se pensássemos: «Se ele é assim, eu também o posso ser».
Recuperada a liberdade, não ficou em casa a descansar. Voltou à luta política,
com risco de ser novamente encarcerado, e deu início a um notável trabalho de
assistência e ajuda àqueles que continuavam na prisão. Em Espanha, uns quantos
amigos e admiradores da sua invulgar personalidade (o prémio Nobel Wola Soyinka é um
deles) apresentámo-lo como candidato ao Prémio
Príncipe de Astúrias da Concórdia. Nada seria mais justo. E mais necessário
para mostrar ao povo espanhol que a memória histórica continua viva.
José Saramago, O CADERNO
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