PGR pede inquérito. Há dois anos que Rede de Cuidadores diz
publicamente que sabe de casos de abusos sexuais na Igreja. Psiquiatra Álvaro
de Carvalho explica que todos são "casos antigos"
Justiça
Andreia Sanches
A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu mandar instaurar um inquérito, junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, na sequência das declarações de Catalina Pestana sobre alegados casos de abusos sexuais de menores em instituições da Igreja - "Sei que há casos de pedofilia, só na diocese de Lisboa conheço cinco", disse a exprovedora da Casa Pia ao PÚBLICO, no fim-de-semana. Mas esta não é a primeira vez que há denúncias semelhantes.
A Rede de Cuidadores (associação criada depois do escândalo da Casa Pia), de que Catalina Pestana é uma das fundadoras, com o psiquiatra Álvaro de Carvalho, dirigiu-se por carta, em 2010, a D. Jorge Ortiga, então presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), e ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, para comunicar o que sabia sobre abusos na igreja.
Uma primeira carta, assinada por Álvaro de Carvalho como presidente da Rede, extraviou-se, conta o psiquiatra que pertenceu à comissão coordenadora do apoio psicológico às vítimas da Casa Pia e que é, actualmente, coordenador do Plano Nacional de Saúde Mental. Mas a segunda tentativa, em 29 de Dezembro de 2010, teve consequências.
Na carta dirigida nessa data a D. José Policarpo, Álvaro de Carvalho criticava algumas das declarações do cardeal numa entrevista ao Diário de Notícias na qual este afirmava desconhecer casos de abuso na Igreja em Portugal. E esclarecia: "Em Junho último expedi uma carta, também em nome da Rede de Cuidadores, ao sr. D. Jorge Ortiga, na qualidade de presidente da CEP, com conhecimento a v.ª eminência, em que propunha uma conversa directa sobre denúncias que nos têm chegado, sobre a qual nunca obtive ecos. Para colmatar a hipótese de a mesma se ter extraviado, nesta data envio uma 2.ª via para os mesmos destinatários." Uma carta mais vaga seguiu para D. Jorge Ortiga.
"Não eram casos recentes, eram casos antigos", alguns até já estavam prescritos, explica o médico ao PÚ- BLICO, ou seja, não diziam respeito a abusos que estivessem a acontecer naquele momento. "Mas achámos que a Igreja devia retractar-se", como estava a acontecer em todo o mundo, em relação a este assunto. A resposta não tardou, mas a reunião sim, por alguma dificuldade em conciliar agendas - "O padre Manuel Morujão [porta-voz da CEP] respondeu com muita rapidez a esta segunda carta. Mas entretanto iniciei funções como coordenador da saúde mental e fiquei muito mais ocupado. D. Jorge Ortiga só vinha a Lisboa uma vez por mês, houve a hipótese de irmos a Braga, mas não estava em condições de me deslocar." A reunião aconteceu em Lisboa, em "Março ou Abril", com D. Jorge Ortiga. Do que falaram? "Tendo havido conhecimento por parte da dra. Catalina de vários casos nos últimos anos, não admitíamos que a Igreja dissesse que não conhecia casos. E portanto dissemos: 'há casos, temos conhecimento, estamos disponíveis para colaborar convosco'."
D. Jorge Ortiga confirma, através do seu secretário, padre José Miguel, que teve uma reunião com a Rede e que disse que se iriam tomar decisões nessa matéria, o que veio a acontecer através da publicação, pela CEP, já este ano, das "directrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores", onde se diz, por exemplo, que as dioceses devem actuar sempre que haja "qualquer notícia verosímil de abuso de menores" e colaborar com "as autoridades civis".
O PÚBLICO também procurou ouvir o cardeal-patriarca de Lisboa, sem sucesso. Já o porta-voz da CEP reagiu ao facto de Catalina Pestana não se mostrar surpreendida com a detenção do vice-reitor do Seminário Menor do Fundão, por suspeita de abusos sexuais, alegando conhecer outros casos. "Que diga os nomes (...), com provas e não apenas com imaginações", desafiou Morujão. A PGR diz que não é possível apurar quantos casos envolvem padres ou funcionários da Igreja Católica (ou de outras confissões). E disponibiliza estes números: em Lisboa, no primeiro trimestre de 2012, foram instaurados, no total, 191 inquéritos envolvendo crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores; em Coimbra foram, até Junho, 168. E em Évora, em dois anos e meio, 614.
Dois anos de alertas da Rede de Cuidadores
Declarações de D. José Policarpo suscitam reacções desde 2010
26/12/2010
"São casos tristes para nós, bastava um para termos muita pena - porque é uma coisa muito feia. Mas, em termos globais estatísticos, os casos [de pedofilia na Igreja] são apenas 0,0 não sei quanto por cento (...) Foi a brutalidade das revelações feitas nos EUA que levou o resto do mundo a alertar-se para isso e ainda bem (...) Em Portugal não há casos que eu conheça - não quer dizer que não haja um ou outro."
D. José Policarpo ao DN
30/12/2010
"Não conhece o senhor cardeal nenhum caso de abusos sexuais de crianças na Igreja portuguesa? A associação a que pertenço já lhe escreveu, bem como ao senhor presidente da Conferência Episcopal [que era à data D. Jorge Ortiga], a pedir para ser recebida e, discretamente, bem ao gosto da hierarquia da Igreja Católica, podermos falar das denúncias recebidas por nós e de estratégias de prevenção (...). Ou estão Suas Excelências Reverendíssimas muito ocupadas e não têm tempo para ler jornais? Ou as vítimas não confiam neles e não lhes contam? A nós, humildes leigos, católicos, agnósticos e ateus, que trabalhamos no terreno e na Rede de Cuidadores, as queixas chegam."
Catalina Pestana, num artigo no Sol
18/12/2011
"Não conheço casos de pedofilia na Igreja em Portugal." D. José Policarpo ao DN
23/12/2011
"Houve e há abusos sexuais em instituições da Igreja Católica Portuguesa (...) A associação onde sou voluntária, a Rede de Cuidadores, recebe várias queixas de situações com esta origem. Pedimos e fomos recebidos pelo anterior presidente da Conferência Episcopal D. Jorge Ortiga." Catalina Pestana, num artigo no Sol
6/01/12
"Temos referenciadas sete situações de abusos sexuais ocorridas nos últimos 10 anos, por padres e funcionários em instituições tuteladas directa ou indirectamente pela Igreja (...) Foi dado conhecimento pessoal e oportuno ao cardeal-patriarca, por pessoas ligadas à rede e não só. Mas (...) aparentemente não se tomaram decisões."
Álvaro de Carvalho, em declarações ao Sol
Justiça
Andreia Sanches
A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu mandar instaurar um inquérito, junto do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, na sequência das declarações de Catalina Pestana sobre alegados casos de abusos sexuais de menores em instituições da Igreja - "Sei que há casos de pedofilia, só na diocese de Lisboa conheço cinco", disse a exprovedora da Casa Pia ao PÚBLICO, no fim-de-semana. Mas esta não é a primeira vez que há denúncias semelhantes.
A Rede de Cuidadores (associação criada depois do escândalo da Casa Pia), de que Catalina Pestana é uma das fundadoras, com o psiquiatra Álvaro de Carvalho, dirigiu-se por carta, em 2010, a D. Jorge Ortiga, então presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), e ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, para comunicar o que sabia sobre abusos na igreja.
Uma primeira carta, assinada por Álvaro de Carvalho como presidente da Rede, extraviou-se, conta o psiquiatra que pertenceu à comissão coordenadora do apoio psicológico às vítimas da Casa Pia e que é, actualmente, coordenador do Plano Nacional de Saúde Mental. Mas a segunda tentativa, em 29 de Dezembro de 2010, teve consequências.
Na carta dirigida nessa data a D. José Policarpo, Álvaro de Carvalho criticava algumas das declarações do cardeal numa entrevista ao Diário de Notícias na qual este afirmava desconhecer casos de abuso na Igreja em Portugal. E esclarecia: "Em Junho último expedi uma carta, também em nome da Rede de Cuidadores, ao sr. D. Jorge Ortiga, na qualidade de presidente da CEP, com conhecimento a v.ª eminência, em que propunha uma conversa directa sobre denúncias que nos têm chegado, sobre a qual nunca obtive ecos. Para colmatar a hipótese de a mesma se ter extraviado, nesta data envio uma 2.ª via para os mesmos destinatários." Uma carta mais vaga seguiu para D. Jorge Ortiga.
"Não eram casos recentes, eram casos antigos", alguns até já estavam prescritos, explica o médico ao PÚ- BLICO, ou seja, não diziam respeito a abusos que estivessem a acontecer naquele momento. "Mas achámos que a Igreja devia retractar-se", como estava a acontecer em todo o mundo, em relação a este assunto. A resposta não tardou, mas a reunião sim, por alguma dificuldade em conciliar agendas - "O padre Manuel Morujão [porta-voz da CEP] respondeu com muita rapidez a esta segunda carta. Mas entretanto iniciei funções como coordenador da saúde mental e fiquei muito mais ocupado. D. Jorge Ortiga só vinha a Lisboa uma vez por mês, houve a hipótese de irmos a Braga, mas não estava em condições de me deslocar." A reunião aconteceu em Lisboa, em "Março ou Abril", com D. Jorge Ortiga. Do que falaram? "Tendo havido conhecimento por parte da dra. Catalina de vários casos nos últimos anos, não admitíamos que a Igreja dissesse que não conhecia casos. E portanto dissemos: 'há casos, temos conhecimento, estamos disponíveis para colaborar convosco'."
D. Jorge Ortiga confirma, através do seu secretário, padre José Miguel, que teve uma reunião com a Rede e que disse que se iriam tomar decisões nessa matéria, o que veio a acontecer através da publicação, pela CEP, já este ano, das "directrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores", onde se diz, por exemplo, que as dioceses devem actuar sempre que haja "qualquer notícia verosímil de abuso de menores" e colaborar com "as autoridades civis".
O PÚBLICO também procurou ouvir o cardeal-patriarca de Lisboa, sem sucesso. Já o porta-voz da CEP reagiu ao facto de Catalina Pestana não se mostrar surpreendida com a detenção do vice-reitor do Seminário Menor do Fundão, por suspeita de abusos sexuais, alegando conhecer outros casos. "Que diga os nomes (...), com provas e não apenas com imaginações", desafiou Morujão. A PGR diz que não é possível apurar quantos casos envolvem padres ou funcionários da Igreja Católica (ou de outras confissões). E disponibiliza estes números: em Lisboa, no primeiro trimestre de 2012, foram instaurados, no total, 191 inquéritos envolvendo crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores; em Coimbra foram, até Junho, 168. E em Évora, em dois anos e meio, 614.
Dois anos de alertas da Rede de Cuidadores
Declarações de D. José Policarpo suscitam reacções desde 2010
26/12/2010
"São casos tristes para nós, bastava um para termos muita pena - porque é uma coisa muito feia. Mas, em termos globais estatísticos, os casos [de pedofilia na Igreja] são apenas 0,0 não sei quanto por cento (...) Foi a brutalidade das revelações feitas nos EUA que levou o resto do mundo a alertar-se para isso e ainda bem (...) Em Portugal não há casos que eu conheça - não quer dizer que não haja um ou outro."
D. José Policarpo ao DN
30/12/2010
"Não conhece o senhor cardeal nenhum caso de abusos sexuais de crianças na Igreja portuguesa? A associação a que pertenço já lhe escreveu, bem como ao senhor presidente da Conferência Episcopal [que era à data D. Jorge Ortiga], a pedir para ser recebida e, discretamente, bem ao gosto da hierarquia da Igreja Católica, podermos falar das denúncias recebidas por nós e de estratégias de prevenção (...). Ou estão Suas Excelências Reverendíssimas muito ocupadas e não têm tempo para ler jornais? Ou as vítimas não confiam neles e não lhes contam? A nós, humildes leigos, católicos, agnósticos e ateus, que trabalhamos no terreno e na Rede de Cuidadores, as queixas chegam."
Catalina Pestana, num artigo no Sol
18/12/2011
"Não conheço casos de pedofilia na Igreja em Portugal." D. José Policarpo ao DN
23/12/2011
"Houve e há abusos sexuais em instituições da Igreja Católica Portuguesa (...) A associação onde sou voluntária, a Rede de Cuidadores, recebe várias queixas de situações com esta origem. Pedimos e fomos recebidos pelo anterior presidente da Conferência Episcopal D. Jorge Ortiga." Catalina Pestana, num artigo no Sol
6/01/12
"Temos referenciadas sete situações de abusos sexuais ocorridas nos últimos 10 anos, por padres e funcionários em instituições tuteladas directa ou indirectamente pela Igreja (...) Foi dado conhecimento pessoal e oportuno ao cardeal-patriarca, por pessoas ligadas à rede e não só. Mas (...) aparentemente não se tomaram decisões."
Álvaro de Carvalho, em declarações ao Sol
Público, 13-12-2012
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