segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Regras sobre licenças temporárias dos procuradores não foram alteradas

Justiça
Mariana Oliveira
Não houve qualquer mudança na lei desde a polémica criada com a saída de um procurador do DCIAP para sector privado
Os procuradores que desde Fevereiro pediram licença sem vencimento de longa duração ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão máximo na hierarquia desta magistratura, têm indicado o que vão fazer. Isto apesar de não haver nada na lei que os obrigue a isso, ao contrário do que foi anunciado quando o procurador Orlando Figueira, que tinha a seu cargo vários processos de suspeitas de branqueamento de capitais com ligações a Angola, obteve licença temporária para trabalhar numa consultora internacional também com ligações àquele país.
Mais de oito meses após a aprovação da saída deste procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o CSMP não voltou a discutir o assunto. O procurador José Carlos Fernandes, membro permanente do CSMP, sugeriu, em Fevereiro, que o órgão debatesse os critérios que devem estar na base da concessão das licenças sem vencimento de longa duração, tendo sido
deliberado o agendamento “numa próxima reunião” dessa discussão.
Mas até agora tal não ocorreu. “Temos tido outras questões para tratar, como o mapa judiciário e o movimento de magistrados. Por outro lado, a questão tem sido esvaziada pelo facto de todos os magistrados que pediram licença de longa duração terem dito o motivo por que o faziam”. Mesmo assim, o conselheiro considera que deve haver uma deliberação sobre o tema. “Para que fique um instrumento estável para o futuro”, sustenta.
António Barradas Leitão, o outro membro permanente do CSMP, considera que não é preciso alterar a lei. Basta aplicar uma nova interpretação de conceitos já existentes. “Quando alguém pede uma licença de longa duração, o conselho tem que avaliar se há prejuízo para o serviço, tendo-se entendido que tal não ocorre quando o procurador pode ser substituído por outro nas suas funções”, explica. “Mas penso que agora há um entendimento maioritário que considera que, para fazer essa análise, temos de saber para onde a pessoa vai e se o cargo que vai desempenhar tem alguma relação com o que fazia”.
Este conselheiro reconhece que nada na lei obriga os procuradores a dar essa informação, mas defende que o conselho pode sempre negar a licença se considerar que não tem elementos suficientes para avaliar a existência de prejuízo para o serviço. Por outro lado, Barradas Leitão diz que têm sido concedidas algumas licenças de longa duração, mas em nenhum dos casos os procuradores saíram para o privado. Assistência a familiar doente ou realização de trabalhos académicos são as situações mais comuns.
Desde o início de Setembro que o procurador do DCIAP, Orlando Figueira, trabalha na área da fiscalidade e prevenção de branqueamento de capitais numa consultora internacional, que presta serviços nos países africanos de língua oficial portuguesa. Enquanto procurador, Orlando Figueira tinha a seu cargo vários processos com ligações a Angola relacionados com suspeitas de branqueamento de capitais, entre os quais dois que envolvem o presidente do Banco Espírito Santo Angola, Álvaro Sobrinho, que viu serem-lhe arrestados bens no valor de vários milhões de euros.
Antes mesmo de consumada a saída, aprovada meses antes pelo CSMP, o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, afirmou que ia sugerir à ministra da Justiça que quem ocupasse “cargos de sensibilidade” no Ministério Público devia comunicar para onde ia trabalhar. E defendeu ainda que devia haver um período de nojo de dois anos, uma vez que esses magistrados têm acesso a informação privilegiada. Questionado sobre se chegou a formalizar alguma proposta, Pinto Monteiro optou por não responder.
Já a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que afirmou na altura que o caso não deixaria de ter “consequências futuras”, admite implicitamente não haver avanços: “A questão será apreciada aquando da revisão do Estatuto dos Magistrados”, respondeu, por escrito, o gabinete de Teixeira da Cruz.
Público | segunda-feira, 08 Outubro 2012

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