José Luís Arnaut e Pedro Rebelo de Sousa são os
'Queridos Inimigos' desta semana. Saiba o que os separa. Unidos pela lei, mas
separados pelos negócios
À primeira vista é mais aquilo que os une do que os
separa. José Luís Arnaut e Pedro Rebelo de Sousa são 'partners' de sociedades
de advogados, pertencem à mesma família política (PSD) e transitaram
recentemente para a administração de grandes empresas – Arnaut para a REN e
Rebelo de Sousa para a CGD e Cimpor. Ambos são trabalhadores incansáveis,
dependentes de 'gadgets' e adoram gravatas.
Publicamente não são conhecidas desavenças entre os
dois, mas nos bastidores sabe-se que a concorrência é feroz, a rivalidade é
permanente e nenhum dos dois resiste a alfinetar o concorrente.
A advocacia de negócios é um mercado onde é preciso
puxar dos galões para conquistar clientes. O prestígio da sociedade e o poder
da 'network' dos sócios são trunfos decisivos. "É muito importante manter
um bom relacionamento com o poder, seja ele político ou financeiro", diz
ao Diário Económico um advogado que trabalha num dos grandes escritórios, mas
que recusou identificar-se.
Numa altura em que a advocacia sofreu uma travagem com
a crise financeira, é preciso aproveitar todas as oportunidades. José Luís
Arnaut, sócio da Rui Pena, Arnaut & Associados, e Pedro Rebelo de Sousa,
sócio da Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados, intervieram nos processos
de privatizações lançados pelo Governo de Pedro Passos Coelho-, assessorando as
operações ou então sendo nomeados para os órgãos sociais.
Ninguém consegue identificar o momento em que os dois
passaram de concorrentes a rivais, mas diversas fontes constatam que a
rivalidade – não se podem ver, diz um conhecido de ambos – aumenta quando o PSD
está no Governo. No partido (José Luís Arnaut) ou nos grupos independentes que
trabalharam para Pedro Passos Coelho chegar ao Governo (Pedro Rebelo de Sousa),
os dois advogados partilham um ódio de estimação. Os escritórios de Arnaut e
Rebelo de Sousa não são da Liga dos Campeões em dimensão, mas estão sempre nos
principais negócios. E disputam os mesmos mercados.
Outros apontam a rivalidade a feitios, muito
diferentes. Os dois advogados, que gostam de começar a trabalhar cedo, e gerem
o tempo como um bem escasso, têm os holofotes virados para si. José Luís Arnaut
substituiu recentemente Luís Palha da Silva como administrador não executivo da
REN, empresa que é cliente do escritório Rui Pena & Arnaut, este ano
nomeada como uma das melhores do sector da energia a nível europeu.
A escolha de Arnaut foi da Oliren, a 'holding' da
família Oliveira que tem 5% da empresa, mas, em surdina, há quem aponte a sua
chegada a Miguel Relvas, de quem é amigo, e ao Governo. José Alexandre
Oliveira, presidente da Riopele e accionista da REN, através da Oliren,
garantiu que a escolha não teve interferência política, explicando que o
conhece "há muitos anos, porque ele é oriundo de uma família que está
ligada ao têxtil e no têxtil todos se conhecem".
A sociedade de Arnaut também está envolvida no
processo de privatização da TAP, ficando responsável por assessorar
juridicamente a transportadora aérea nesta operação.
De facto, José Luís Arnaut é filho de uma importante
família ligada à indústria têxtil da Covilhã. Orgulhoso das suas raízes, o
advogado gosta de dizer que é "beirão". Foi ali que fez a escola
primária e o liceu, filiando-se na juventude social-democrata e integrando a
lista que vence as eleições da associação de estudantes.
Mais tarde, aos 17 anos, deixa a Covilhã para estudar
Direito na Universidade Lusíada de Lisboa. Terminado o curso ruma a Estrasburgo
para se especializar em Direito de Patentes. De volta a Portugal começou a
trabalhar no escritório de Rui Pena. A meio da década de 90 regressou em força
à actividade política. Destacou-se no congresso do frente-a-frente, em 1995,
entre Durão Barroso e Fernando Nogueira na batalha da sucessão a Cavaco Silva.
Barroso perdeu, partiu para os Estados Unidos, mas Arnaut continuou activo no
partido. Viria a tornar-se o homem de confiança de Marcelo Rebelo de Sousa
durante dois anos. Acabou por deixá-lo para apoiar o projecto de Durão Barroso,
eleito líder do partido em 1999 e primeiro-ministro em 2002.
Arnaut ficou rotulado como o "homem sombra"
de Durão. E ainda hoje mantém o 'low profile'. "Ele é muito reservado e
evita aparecer. É também bastante organizado e metódico, conta ao Diário
Económico um advogado que trabalhou de perto com José Luís Arnaut. Aliás, o
ex-ministro adjunto do primeiro-ministro é tão meticuloso que costuma anotar
num caderninho todos os assuntos que quer falar.
No caso de Pedro Rebelo de Sousa, um hiperactivo
assumido, a polémica estalou quando o advogado entrou para a administração da
Caixa Geral de Depósitos, depois de ter considerado, enquanto presidente do
Instituto Português de Corporate Governance, que era incompatível ser advogado
e estar nos órgãos sociais das empresas-clientes.
Para se defender das críticas, o escritório de Rebelo
de Sousa deixou de trabalhar com a CGD. No mês passado, o advogado foi também
nomeado para a administração da Cimpor, apesar de o banco estatal ter vendido a
sua posição na cimenteira.
Já este mês, o Ministério das Finanças considerou não
haver conflito de interesses na acumulação de funções de Pedro Rebelo de Sousa,
enquanto administrador não executivo da Caixa Geral de Depósitos e Cimpor.
Ao contrário de Arnaut, que construiu uma carreira
ligada à política, Rebelo de Sousa começou no sector financeiro. Licenciado em
Direito pela Universidade Clássica, especializou-se em Direito Comercial e
Empresarial no Brasil. Depois, partiu para os Estados Unidos onde chegou a
vice-presidente de mercados financeiros do Citibank. Ali, herdou um hábito que
ainda hoje o acompanha: o de se levantar por volta das seis da manhã. Enquanto,
na altura, tinha de ir a correr para o gabinete, agora aproveita para nadar e
rezar.
Em 1990, aos 34 anos, foi convidado por Cavaco Silva,
na altura primeiro-ministro, e Miguel Cadilhe, ministro das Finanças, para
privatizar o Banco Fonsecas & Burnay, onde ficou dois anos como presidente
– regressou a Portugal com um salário de 430 contos brutos, bastante menos do
que ganhava nos Estados Unidos. Nuno Amado, actual presidente do BCP, e a
gestora Esmeralda Dourado acompanharam Rebelo de Sousa na privatização do
banco.
Saiu do cargo quando o processo terminou, dizem,
porque discordou de um modelo em que o avaliador – o BPI – foi o vencedor. Mas
o "bichinho" da banca nunca o largou. Ao longo da carreira, esteve no
conselho consultivo do Banif, do Banco de Investimento e foi administrador não
executivo na 'holding' Intesa San Paolo, um dos maiores bancos italianos.
Com o espaço da banca muito preenchido, Rebelo de
Sousa apostou na advocacia, acabando por nascer a Simmons & Simmons Rebelo
de Sousa (ex- Grupo Legal Português). O 'timing' foi certeiro. Entrou numa
época em que foram feitas grandes privatizações – da banca, mas também da PT e
EDP. Começou com zero clientes e o primeiro caso que teve foi a compra pelo
Central Hispano dos 20% de Américo Amorim no BCP.
Pedro Rebelo de Sousa, que dedica dois dias por semana
à Cimpor e CGD, assessorou, no mês passado, a Eni na operação de venda de 5% da
Galp à Amorim. A petrolífera sempre foi uma fonte de rivalidade entre os dois
escritórios. Rui Pena, o 'senior partner' da sociedade, é o advogado histórico
da Galp, enquanto Rebelo de Sousa represefttou a Eni, que foi accionista de
referência da empresa liderada por Ferreira de Oliveira.
"A especialidade dele é a 'network'. O apelido
Rebelo de Sousa é muito forte no mercado", diz ao Diário Económico um
advogado que trabalhou com ele. Mesmo assim, se há coisa que o irrita é a
ligação permanente da sua carreira à do irmão Marcelo Rebelo de Sousa.
Outra das coisas que o irrita é o facto de a sociedade
de Arnaut fazer parte de uma aliança europeia, através da integração na rede
internacional CMS. Já a sociedade de Rebelo de Sousa deixou, em 2009, de
integrar o universo da britânica Simmons & Simmons.
No plano político, Pedro Rebelo de Sousa nunca foi um
membro activo do PSD. Já José Luís Arnaut regressou à vida partidária para
assumir a direcção da nova Comissão Política Nacional de Auditoria Financeira.
Pedro Rebelo de Sousa diz que o papel político está bem entregue ao irmão
Marcelo. No entanto, a cartomante que consultou várias vezes ao longo da vida,
disse-lhe que poderia vir a ter uma intervenção na política.
Se a cartomante acertar, José Luís Arnaut e Pedro
Rebelo de Sousa poderão voltar a ser concorrentes. Desta vez no PSD. O ódio de
estimação, esse, não vai esperar.
PEDRO REBELO DE SOUSA - O advogado que nada todos os dias
Pedro Rebelo de Sousa, 57 anos é advogado e 'senior partner' da sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados. Fã de literatura, tem como obra de referência "Memorial do Convento", de José Saramago. Gosta de música, com preferência para Rodrigo Leão e Keith Jarrett.
Levanta-se todos os dias por volta das seis da manhã para nadar durante meia hora e rezar. Nascido em Lisboa, licenciou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa. Viveu no Brasil e em Nova Iorque antes de regressar a Portugal.
Aos 34 anos, assumiu a presidência do Banco Fonsecas & Burnay, passando depois por vários cargos de administrador não executivo de órgãos sociais em várias empresas nacionais e internacionais. Casado e com dois filhos, tem como 'gadget' de sonho o iPad, que poderia levar para outra das suas paixões: as viagens. Elege como destino de sonho a Califórnia, mas também gosta de passear pelo País. No Verão, a escolha recai no Ancão, no Inverno, prefere Évora.
António Costa
Diário Económico de 09-08-2012
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