Opinião
Jornal - 2012-05-08
Por António Cluny
Sejamos claros: já não basta prometer que depois do empobrecimento geral haverá luz ao fundo do túnel
O ministro das Finanças disse, recentemente, que os portugueses estão dispostos a fazer sacrifícios para salvar o país, na medida em que eles sejam repartidos equitativamente por todos os sectores da sociedade. Isso, porém, sempre aconteceu.
Sabem, todavia, os portugueses que tais sacrifícios estão longe de ser equitativamente repartidos, e que a riqueza do país é visivelmente das mais mal repartidas que se conhecem.
Sabem, além disso, que a responsabilidade pela situação criada não lhes pertence. Em geral, na Europa, mesmo nos melhores momentos, foram sempre dos que pior viveram. Por isso desconfiam.
Desconfiam que os sacrifícios que lhes pedem não serão os mais adequados à resolução da crise e que nem todos os que têm obrigação de os fazer irão, também, como de costume, ser chamados a participar.
Mais, começam a suspeitar que essa participação equitativa nunca acontecerá e que a crise, mesmo que verdadeira, constitui afinal uma oportuna justificação política para lhes diminuir a cidadania.
Sejamos claros: já não basta prometer que depois do empobrecimento geral haverá luz ao fundo do túnel.
Primeiro porque já se percebeu que, como sempre, a luz continua enfim a não estar apagada para um núcleo reduzido, mas significativo, de portugueses.
Depois, porque nada garante – antes pelo contrário – que essa luz, quando e se vier, sirva de novo para alumiar e aquecer um pouco mais os que dela só tiveram um vislumbre.
Ninguém entende, por exemplo, porque hão-de os rendimentos do capital continuar a ser significativamente menos taxados do que os rendimentos do trabalho.
Ninguém entende também por que razão os descontos feitos ao longo da vida de trabalho para assegurar uma velhice menos penosa não podem afinal responder às expectativas legítimas dos que escrupulosamente cumpriram com as suas obrigações.
Ninguém entende, por outro lado, como é que os gestores – públicos ou privados – dos dinheiros públicos os podem continuar a gerir sem mecanismos jurídicos que assegurem a sua efectiva responsabilização financeira e, o que é ainda mais importante, a dos interesses que beneficiaram dessa gestão que nos arruinou.
A lei que regula a responsabilidade financeira permite, em abstracto, a responsabilização de todos os que usem e giram dinheiros públicos, trate-se de responsáveis de entidades públicas ou privadas.
Porém, nem as situações jurídicas sancionáveis estão aí claramente definidas, nem sequer as entidades privadas que beneficiam dos dinheiros públicos podem, subsidiariamente, ser responsabilizadas, se os seus gestores não tiverem capacidade para compensar o Estado pelos desmandos que, em seu benefício, permitiram.
O Tribunal de Contas tem, no que respeita às PPP, insistido agora na necessidade da criação de um gestor público do negócio que possa, por ele, ser responsabilizado.
Importa, todavia, também, criar mecanismos jurídicos que permitam ao Estado ressarcir-se junto das entidades privadas que beneficiaram, e beneficiam ainda, de algumas proveitosas gestões de milionários fundos públicos.
Na verdade, os portugueses que estão a salvar o país vão-se apercebendo de que muito do dinheiro público que hoje falta para o bem comum – saúde, educação, segurança social – continua canalizado para o bem de apenas alguns.
Talvez, se forem resolvidas algumas destas questões, os portugueses que estão a salvar o país possam dizer que o seu sacrifício não foi inteiramente em vão.
Jurista e presidente da MEDEL
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