sábado, 18 de fevereiro de 2012

Casa da Relação de Guimarães


contagem dos prazos das penas de prisão - privação da liberdade - cumprimento
pena
I) Sendo o desconto estabelecido no artº 80º, nº 1 do C. Penal, um benefício para os condenados, também eles devem beneficiar, no cumprimento das penas de prisão onde os descontos são efectuados, de um regime de contagens que leve em conta esses mesmos descontos como cumprimento de pena.
II) Desta forma, sem qualquer ficção, ajusta-se tal tratamento à letra da lei, quando manda que os períodos de privação de liberdade sejam descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão.
AcRG de 06-02-2012, Proc. n.º 296/06.4JABRG-B, Relator: Desembargador Filipe Melo

violência doméstica - autonomia da acção - regime aplicável - nulidade de sentença
I) A circunstância de não terem ficado provadas com exactidão algumas das datas em que ocorreram episódios de agressões físicas e psíquicas à mulher do arguido, não configura nulidade de sentença, uma vez que, o que é essencial é a descrição dos factos concretos imputados e praticados pelo arguido, ainda que de forma sintética, na medida em que isso será suficiente para a organização da defesa constitucionalmente garantida no artigo 32.º, n.º 1 da CRP.
II) Com as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, no que ao crime de maus tratos respeita, houve um alargamento do tipo, verificando-se a autonomização do crime de violência doméstica (artigo 152.º), passando o crime de maus tratos a estar previsto no artigo 152.º-A.
III) Em face da nova redacção introduzida pela citada lei o crime de violência doméstica pode ser cometido mesmo que não haja reiteração de condutas, embora só em situações excepcionais o comportamento violento único, pela gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito.
AcRG de 06-02-2012, 79/10.7TAVVD, Relator: Desembargador Fernando Chaves

Alteração substancial dos factos - nulidade de sentença
I) Em sede de audiência de julgamento foi considerado provado, para além do mais, que o arguido ao proferir a expressão “Se não me entregares isso até amanhã, quando te encontrar parto-te toda”, agiu com a intenção de cercear a liberdade de decisão da ofendida”.
II) Analisada a acusação, verifica-se que não constava da mesma este facto, o qual, enquanto elemento subjectivo do ilícito – a intenção de constranger a ofendida a uma decisão – permite enquadrar a conduta do arguido no crime de coacção, sendo certo que o ilícito que vinha imputado era o de ameaça.
III) Verifica-se, assim, uma alteração substancial dos factos a impor o cumprimento do disposto no art.359.º do C. Penal, o que não ocorreu. Nestes termos, padece a sentença recorrida da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 379.º, do C.P.Penal
AcRG de 30/01/2012, Proc. n.º 272/10.2GBMR.G1, Relator: Desembargador Maria Luísa Arantes

arma de fogo - perda a favor do Estado - arma proibida
I) Não tendo havido sequer acusação, e muito menos condenação, do arguido, a perda das armas de caça em causa nestes autos só poderia acontecer nos termos do disposto no nº 2 do art. 109º, do C. Penal.
II) Ora, o arguido detinha licitamente tais armas de fogo, e o facto de um exame pericial afirmar que uma das armas terá servido para deflagrar alguns cartuchos alegadamente encontrados junto ao local dos factos indiciados, não basta para os ter agora como provados.
III) Por outro lado, e não tendo havido julgamento, fica-se no total desconhecimento da eventual existência de riscos sérios daquelas armas poderem vir a ser utilizadas pelo seu dono no cometimento de factos ilícitos. Poderão, certamente, mas como todas as demais armas detidas licitamente por qualquer cidadão.
IV) Assim sendo, há uma total carência de factos que possam fundamentar a declaração de perda das armas (ambas) a favor do Estado.
AcRG de 02/06/2012, Proc. n.º 20/08.7JABRG, Relator: Desembargador Filipe Melo

quebra de sigilo profissional - advogado
I) A quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal.
II) No caso dos autos, estando em causa a apreciação de um eventual crime de falsificação de documento cuja gravidade é manifesta, tendo por objecto uma procuração forense junta a um processo judicial, mostrando-se essencial para o apuramento da verdade material dos factos o depoimento da pessoa (advogado) a favor de quem a procuração foi conferida por forma a esclarecer as circunstâncias em que a mesma foi outorgada, não se descortina que outra diligência possa substituí-lo.
IV) Deste modo, patenteia-se uma situação excepcional onde os interesses da administração de justiça se devem salvaguardar através de um meio anormal: a violação do segredo profissional.
AcRG de 30/01/2012, Proc. n.º 436/10.9TABRG, Relator: Desembargador Fernando Chaves

Rejeição – acusação - consumo de estupefacientes - factos
I) Quando está em causa o consumo de produtos tóxicos, o exame pericial é determinante para a diferenciação entre a prática de um ilícito penal e a prática de um ilícito meramente contra-ordenacional, pois só através dele é possível identificar, com o necessário rigor científico, a planta, substância ou preparado, quantificá-la e determinar o princípio activo ou substância de referência (cfr. artº10º, nº1 da referida Portaria).
II) Não constando da acusação, pelo menos, o peso líquido da substância estupefaciente encontrada na posse do arguido e se se tratava de folhas e sumidades, de resina ou de óleo, não é possível concluir que o arguido detinha haxixe para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, tanto mais que a quantidade apreendida (10,7 gramas – peso bruto) também não nos permite, sem mais elementos, retirar tal conclusão.
III) A acusação é, pois, manifestamente infundada, por os factos nela constantes não constituírem crime.
AcRG de 30/01/2012, Proc. n.º 415/10.6GCGMR.G1, Relator: Desembargador Maria Augusta


audiência de julgamento - falta do arguido - nulidade insanável
I) O art. 333.º do C.P.Penal tem como pressuposto que o arguido tenha sido regularmente notificado, o que se compreende, pois só se tiver conhecimento da data designada para julgamento é que lhe é dada a faculdade de estar presente, para se defender, garantindo o respectivo contraditório.
II) Estando notificado mas não comparecendo, o arguido continuou a ter a possibilidade de se defender, só não a quis aproveitar. Não haverá ofensa dos direitos de defesa – art.32.º n.1 e 2 da CRP –, desde que cumpridas as demais condições do art. 333.º do C.P.Penal.
III) In casu, tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência do arguido /recorrente sem que estivesse notificado para a mesma, pois a carta simples, com prova de depósito, foi enviada para morada que nunca o arguido indicou, verifica-se a nulidade insanável prevista no art.119.ºal.c) do C.P.Penal, o que tem como consequência a anulação do julgamento realizado quanto a este arguido bem como dos actos subsequentes referentes ao mesmo – art.122.º n.º1 do C.P.Penal.
AcRG de 23/01/2012, Proc. n.º 102/09.8GEBRG, Relator: Desembargador Maria Luísa Arantes

Rejeição – acusação – burla - elementos essenciais do crime
I) Resulta do preceituado no artigo 217.º, n.º 1 do C. Penal, para além do mais, que através do erro ou engano se de­termine outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, que se pode traduzir na lesão de qualquer bem, interesse ou direito, pessoal ou real, mobiliário ou imobiliário.
II) No desenho acusatório, aparece de uma forma clara a intenção de enriquecimento ilegítimo, claramente definida e demonstrada em relação à arguida Ana R... já que se propunha obter, como obteve, um enriqueci­mento com base no directo empobrecimento da sua irmã Elisabete da Conceição, sem causa justificativa.
III) Assim sendo, e dado que o quadro acusatório imputa à arguida todos os factos constitutivos do crime de burla, nenhuma razão existe para não submeter a arguida a julgamento e, consequentemente, impõe-se a revogação do despacho recorrido que rejeitou a acusação.
AcRG de 23/01/2012, Proc. n.º 471/08.7GAVVD , Relator: Desembargador Fernando Chaves

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