terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Estado paga milhões a advogados por ajuste directo


O Estado gastou mais de cinco milhões de euros, sem concurso público, com serviços contratados a escritórios de advogados. Empresas, Governo e outros organismos públicos contratam as maiores sociedades de advogados para pareceres e outros serviços jurídicos. Metade dos cinco milhões de euros gastos em ajustes directos em 2011 foram entregues a quatro escritórios.
A Sérvulo Correia, que lidera a lista dos ajustes directos, recebeu no ano passado quase 800 mil euros. O bastonário da Ordem dos Advogado, Marinho e Pinto, defende que a norma seja o concurso público “com regras e cadernos de encargos transparentes” e estranha que o Estado nunca reclame dos honorários pagos às sociedades de advogados. A actual lei estabelece limites: o primeiro-ministro pode utilizar 7,5 milhões de euros num ajuste directo, um ministro pode gastar até 3,7 milhões, enquanto um director-geral pode ir até aos 750 mil euros.
Um contrato com o Banco de Portugal (BdP) rendeu este ano à sociedade de advogados Vieira de Almeida 650 mil euros. O mesmo organismo, no ano passado e também por ajuste directo, celebrou um contrato com a Sérvulo Correia de 650 mil euros. Genericamente, ambos foram descritos por “prestação de serviços jurídicos”. O universo dos ajustes directos continua a ser uma boa fonte de rendimento para os escritórios de advogados. Até ao presente mês, os organismos públicos (administração central, local e empresas públicas) já gastaram mais de cinco milhões de euros com advogados.
Que serviços, em concreto, é que ambas as sociedades de advogados contratadas pelo BdP prestaram? Segundo informação enviada pelo BdP ao DN, os 650 mil euros pagos à Vieira de Almeida foram para representação da entidade supervisora “nos processos judiciais instaurados por diversas entidades, em litígios relacionados com o Banco Privado Português”. Já o montante pago à Sérvulo Correia tem a ver com a representação judicial nos processos de contraordenação contra a antiga administração do Millennium BCP. O BdP referiu ainda que, apesar do valor de 650 mil euros inscrito no ajuste directo, o valor final “varia em função do tempo efectivo neles utilizado”. Questionado pelo DN se antes do ajuste, consultou outros escritórios de advogados, o BdP respondeu negativamente, justificando que se trata de serviços de representação forense “que envolvem prazos curtos de primeira intervenção judicial”. Ainda este ano, a Sérvulo Correia, que lidera o top dos ajustes directos a escritórios de advogados (ver Protagonistas), ganhou ainda um contrato de 320 mil euros da Estradas de Portugal (EP) para assessoria jurídica. O DN também questionou a EP sobre os serviços prestados, mas não obteve qualquer resposta.
A amostra aleatória recolhida pelo DN junto do portal dos ajustes directos (www.base.gov.pt) revela ainda um ajuste directo de 143 mil euros feito pelo Infarmed à sociedade de advogados BAS. A Autoridade Nacional do Medicamento também não consultou outros escritórios à procura de propostas. Mas elencou ao DN várias áreas de serviços prestados por aquela sociedade de advogados. Desde direito da saúde e bioética até direito societário.
Em relação ao poder local, o portal dos ajustes directos refere uma adjudicação da Câmara de Oeiras de 240 mil euros à Paulo de Almeida & Associados. A autarquia explicou ao DN que o valor diz respeito a uma avença mensal de 16 mil euros multiplicada por 456 dias do contrato. Este escritório assegura a defesa da câmara em vários processos.
“Nunca vi o Estado a reclamar dos honorários pagos às sociedades”
Os ajustes directos às maiores sociedades de advogados sucedem-se, mas o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), António Marinho e Pinto, não gosta. Prefere os concursos públicos, “com regras e cadernos de encargos transparentes e com a possibilidade de sociedades e advogados em prática individual concorrerem”. Mas, no meio de tantos ajustes, Marinho Pinto faz uma constatação: “O Estado, os organismos e empresas públicas nunca reclamaram dos honorários apresentados.”
Segundo o bastonário, todos os meses chegam dezenas de reclamações à OA sobre as contas apresentadas por alguns advogados. São de “particulares e empresas” a queixarem-se da factura apresentada. Mas de organismos públicos, nada.
António Marinho Pinto faz a comparação com as empreitadas de Obras Públicas: “Se nestas existe um concurso, um caderno de encargos e concorrentes, porque é que na prestação de serviços jurídicos não pode haver?” questiona o bastonário. A relação entre as maiores sociedades de advogados e o Estado sempre causou muita polémica no interior da classe dos advogados. Recorde-se que, em 2006, José Miguel Júdice, o então bastonário, defendeu que o Estado, antes de fazer um grande negócio, deveria consultar os maiores escritórios de Lisboa. Resultado: processo disciplinar.
Carlos Rodrigues Lima
Diário de Notícias, 6-12-2011

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