Num tribunal arbitral terão sido forjados centenas de processos em benefício de clientes. O DCIAP concluiu esta semana a acusação contra o seu fundador, um reputado advogado, ex-professor de Direito em Coimbra
As queixas multiplicaram-se durante anos e chegaram às centenas, espalhadas por quase todas as comarcas do País. A PJ cedo percebeu que a semelhança entre os casos hão podia ser coincidência: era através de um tribunal arbitral, o Projuris, fundado na Universidade de Coimbra, que bens imóveis e quotas de empresas em dificuldades económicas eram transferidos para outras firmas, algumas delas «fantasma», colocando o património fora da alçada dos seus credores. Nalguns casos, a situação complicava-se ainda mais: os bens transferidos por sentença deste centro de arbitragem nem sequer pertenciam àquelas empresas e foram sucessivamente passando para outras entidades, transformando num calvário a vida de quem pretendia recuperar, nos tribunais comuns, aquilo que era seu – só um prédio na Amadora, por exemplo, foi penhorado 13 vezes.Todos os processos tinham também em comum o mesmo nome: o do advogado João Álvaro Dias, com escritório numa imponente vivenda da Avenida Gago Coutinho, em Lisboa. É este advogado, um dos mais jovens e brilhantes professores de Direito Civil da Universidade de Coimbra, que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) agora acusa, depois de uma averiguação que envolveu dezenas de pessoas e levou quase cinco anos a concluir.O DCIAP entende que o jurista usou os seus conhecimentos para desenvolver uma impressionante teia de atividades fraudulentas, a coberto de um centro de arbitragem que não tinha legitimidade legal. Ironicamente, Álvaro Dias descreveu os riscos associados à manipulação das decisões de um tribunal arbitrai no site da associação que fundou sob o nome Projuris/Brasil (que ainda se manterá em funcionamento):«É sabido que as decisões dos tribunais arbitrais têm exatamente a mesma força que qualquer decisão proferida por tribunal judicial. Tal verificação tem muito de empolgante mas não pode deixar de ser motivo de legítimas preocupações para quem, em estrita honestidade intelectual e cívica, se dê conta de quão poderosa é essa ideia.João Álvaro Dias é agora acusado de 13 crimes de falsificação, sete crimes de burla, um crime de usurpação de funções, um crime de frustração de créditos e um crime de insolvência dolosa, mas acaba por ver arquivadas as imputações mais graves que sobre si pendiam – nomeadamente as de branqueamento de capitais e associação criminosa. A investigação concluiu que, apesar de recorrer a um grande número de colaboradores, o arguido tê-los-á colocado sempre à margem do seu «projeto criminoso», não sendo possível provar, com a suficiência exigível, estar-se perante um grupo organizado.COMO AL CAPONEPara muitos lesados, contactados pela VISÃO, esta acusação sabe a pouco. Se um décimo do que reclamam em tribunal for verdade, e Álvaro Dias for condenado por burla simples (pena até três anos de cadeia), será um pouco como ver Al Capone preso por evasão fiscal. A investigação assumiu o risco: «Vamos a jogo com os trunfos que temos.Contudo, é preciso notar, esta acusação não será a única. Depois de uma primeira condenação, em 2007, no Tribunal de Cantanhede por um crime de falência fraudulenta (um ano de prisão, com pena amnistiada), foi uma estratégia da investigação dividir o processo em várias partes. Primeiro, porque alguns crimes acabaram por prescrever e os constantes da acusação agora conhecida estavam prestes a ter o mesmo destino. A teia de ligações é tão extensa e complexa que foi preciso agarrar numa ponta, isolar partes bem delineadas e mandar outras para o lixo. Depois, porque tendo processos diferentes a entrarem sucessivamente em tribunal, será teoricamente mais difícil ao arguido escapar a uma pena de prisão efetiva.A VISÃO contactou esta semana com o advogado, mas não obteve resposta. Em 2007, Álvaro Dias negou o seu envolvimento e recusava qualquer ligação do seu nome a estes casos de burla. Defendia também a idoneidade dos tribunais arbitrais que fundou, admitindo, contudo, que as partes pudessem «em conluio ir a um tribunal arbitral, simulando um incumprimento de contrato ou de dívidas, sem que a instituição tivesse conhecimento desse acordo». E lembrava que, à face da lei, «as decisões arbitrais podem ser anuláveis pelos tribunais judiciais».
A maioria dos lesados só agora começa a ver estas «sentenças suspeitas» clarificadas. Têm vivido anos de pesadelo. Esta semana, quando um dos advogados foi informado da acusação do DCIAP, começou a chorar. A moldura penal para os crimes de que Álvaro Dias é acusado revelar-se-á pequena, mas o simboliamo da sua condenação será muito grande. Já há quem tenha champanhe no frio, à espera do dia em que se fará Justiça.
Visão, 13 de Outubro de 2011
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