Como refere António Barreto em entrevista recente à Revista da Ordem dos Advogados, não existe em Portugal uma visão de conjunto da Justiça para os próximos 50 anos. Desde há trinta anos que se vai remendando, com diversas reformas, umas contraditórias, outras que começam e não acabam.
É verdade, a Justiça em Portugal convive há mais de 30 anos com remendos, muitos deles feitos ao sabor da opinião pública e publicada. Quem não se lembra das mesas redondas, das análises, das discussões em tomo das questões relativas ao regime de prisão preventiva, de segredo de justiça, do número “vergonhoso” dos detidos no nosso sistema prisional, da necessidade de tipificação de novos crimes, de redefinição das regras de prescrição para crimes considerados mais graves…
Recordo, apenas para ilustrar a teoria desenvolvida por António Barreto, à qual adiro incondicionalmente, que a opinião publicada ao tempo considerava que o número dos presos preventivos em Portugal era “colossal”, designadamente em comparação com os restantes países comunitários.
Ora tal afirmação não era verdadeira. Em Portugal, ao contrário do que sucede na generalidade dos países europeus, alguém que esteja detido, mesmo que já condenado em 1ª instância, continua a ter o estatuto de arguido e a cumprir prisão preventiva. A detenção definitiva, se vier a ocorrer, só se verifica após a última e final decisão que sobre o caso venha a ser tomada.
Outro exemplo da teoria do remendo foi o clamor intenso a propósito do regime legal de segredo de justiça. Ao que parece, e apesar das alterações legais nele introduzidas, continua por resolver de facto e de direito esta importante questão.
Na generalidade das situações, senão mesmo em todas, as soluções legais encontradas pelo legislador corresponderam sempre a “apelos”, a” interpelações “públicas” e a “casos”. Até agora não foi possível construir e modelar um sistema coerente e consistente nesta área de soberania
Perguntarão porquê. Muito simplesmente porque para fazer uma reforma da Justiça para as próximas décadas é necessário, entre outras condições, que a Constituição da República seja revista.
E para a rever é necessário que se saiba e que se defenda um modelo de Justiça. Só para dar alguns exemplos, queremos consagrar um sistema de responsabilidade política pelo funcionamento da Justiça? Mas, se assim for, é necessário que se tenha consciência do que tal significa. Queremos um sistema de investigação criminal pulverizado por várias entidades com tutelas diferenciadas e sem uma direcção uniforme do ponto de vista orgânico e funcional? Queremos discutir seriamente as questões da independência e da autogestão, ou seja, pretendemos falar com rigor das matérias respeitantes à independência de julgar e às dependências que devem existir ou ser criadas?
Pois é! Mas enquanto não se fala e não se discute o que é relevante, estão a discutir-se agora as questões relativas a expedientes dilatórios e prescrições. E, mais uma vez, são os “casos” que justificam esta discussão. Admito que quando se fala de “expediente dilatório” se esteja a falar do regime de recursos consagrado na lei. E que, dizem, a utilização deste “expediente” visa atrasar os processos e, nessa medida, alcançar a sua prescrição. Claro, mais uma vez, o problema sério não é este. Em matéria penal, o nosso sistema está concebido e moldado sobre os princípios da prevenção e da ressocialização do delinquente.
Assim sendo, as regras legais da prescrição correspondem a um direito fundamental, no sentido em que ultrapassado o tempo que a lei determina a pena já não deve ser aplicada, porque já não cumpre a finalidade para que foi consagrada. E o regime de recursos insere-se, como é óbvio, na filosofia prevalecente do nosso sistema.
Diremos, pois, que a reforma da Justiça para as próximas décadas é prioritária. Para isso, e como sua condição essencial, a revisão constitucional é peça nuclear, no sentido de aí serem tomadas as opções de fundo que fundamentem e legitimem a criação de um modelo coerente, credível e consistente. Está no tempo de reformar e não de persistir no caminho do “remendo”.
Recordo, apenas para ilustrar a teoria desenvolvida por António Barreto, à qual adiro incondicionalmente, que a opinião publicada ao tempo considerava que o número dos presos preventivos em Portugal era “colossal”, designadamente em comparação com os restantes países comunitários.
Ora tal afirmação não era verdadeira. Em Portugal, ao contrário do que sucede na generalidade dos países europeus, alguém que esteja detido, mesmo que já condenado em 1ª instância, continua a ter o estatuto de arguido e a cumprir prisão preventiva. A detenção definitiva, se vier a ocorrer, só se verifica após a última e final decisão que sobre o caso venha a ser tomada.
Outro exemplo da teoria do remendo foi o clamor intenso a propósito do regime legal de segredo de justiça. Ao que parece, e apesar das alterações legais nele introduzidas, continua por resolver de facto e de direito esta importante questão.
Na generalidade das situações, senão mesmo em todas, as soluções legais encontradas pelo legislador corresponderam sempre a “apelos”, a” interpelações “públicas” e a “casos”. Até agora não foi possível construir e modelar um sistema coerente e consistente nesta área de soberania
Perguntarão porquê. Muito simplesmente porque para fazer uma reforma da Justiça para as próximas décadas é necessário, entre outras condições, que a Constituição da República seja revista.
E para a rever é necessário que se saiba e que se defenda um modelo de Justiça. Só para dar alguns exemplos, queremos consagrar um sistema de responsabilidade política pelo funcionamento da Justiça? Mas, se assim for, é necessário que se tenha consciência do que tal significa. Queremos um sistema de investigação criminal pulverizado por várias entidades com tutelas diferenciadas e sem uma direcção uniforme do ponto de vista orgânico e funcional? Queremos discutir seriamente as questões da independência e da autogestão, ou seja, pretendemos falar com rigor das matérias respeitantes à independência de julgar e às dependências que devem existir ou ser criadas?
Pois é! Mas enquanto não se fala e não se discute o que é relevante, estão a discutir-se agora as questões relativas a expedientes dilatórios e prescrições. E, mais uma vez, são os “casos” que justificam esta discussão. Admito que quando se fala de “expediente dilatório” se esteja a falar do regime de recursos consagrado na lei. E que, dizem, a utilização deste “expediente” visa atrasar os processos e, nessa medida, alcançar a sua prescrição. Claro, mais uma vez, o problema sério não é este. Em matéria penal, o nosso sistema está concebido e moldado sobre os princípios da prevenção e da ressocialização do delinquente.
Assim sendo, as regras legais da prescrição correspondem a um direito fundamental, no sentido em que ultrapassado o tempo que a lei determina a pena já não deve ser aplicada, porque já não cumpre a finalidade para que foi consagrada. E o regime de recursos insere-se, como é óbvio, na filosofia prevalecente do nosso sistema.
Diremos, pois, que a reforma da Justiça para as próximas décadas é prioritária. Para isso, e como sua condição essencial, a revisão constitucional é peça nuclear, no sentido de aí serem tomadas as opções de fundo que fundamentem e legitimem a criação de um modelo coerente, credível e consistente. Está no tempo de reformar e não de persistir no caminho do “remendo”.
Opinião
CELESTE CARDONA Ex-ministra da Justiça
Diário de Notícias, 13 de Outubro de 2011
Diário de Notícias, 13 de Outubro de 2011
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