Negociações. Socialistas recorreram ao chamado ‘Documento de Coimbra’, transformado na moção de Seguro ao congresso do PS, para apresentar caderno de encargos. PSD optou por compromissos genéricos. CDS tentou funcionar como o fiel da balança
CARLOS RODRIGUES UMA e MIGUEL MARUJO
O compromisso de salvação nacional proposto pelo Presidente da República transformou-se num palco para os partidos apresentarem as suas propostas para um governo. Os documentos das reuniões tomados públicos revelam alguns desacordos fundamentais, os quais terão inviabilizado a salvação nacional que Cavaco Silva pretendia. Na ultima quarta-feira, PS, PSD e CDS apresentaram, por escrito, as primeiras propostas para a obtenção de um acordo. O cruzamento dos documentos revela as principais incompatibilidades.
1 Para quando antecipar as eleições legislativas
Aparentemente, os três partidos concordavam com a antecipação das legislativas – o chamado primeiro pilar do repto presidencial de 10 de julho. Porém, o dia exato das mesmas é que os dividiu: o PS defendia a realização do ato eleitoral em maio de 2014, admitindo a hipótese de elas ocorrerem em setembro do próximo ano “se isso for condição para se alcançar um compromisso”. Porém, as contas do PSD apontavam para outro calendário: depois da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2015. Ou seja, neste quadro, o mais cedo possível para os sociais-democratas era o primeiro trimestre de 2015. Por sua vez, o CDS mostrou uma ma|or flexibilidade. Partindo do ponto de partida presidencial – eleições antecipadas depois da saída da troika-, os centristas mostraram abertura para “discutir uma data diferente”, desde que se alcançasse um “acordo substancial nos restantes pilares” propostos por Cavaco Silva.
2 Impostos: baixa do IVA na restauração
Enquanto o PSD optou por colocar em cima da mesa um “amplo diálogo político e social” para “promover uma revisão do IRC, IRS, IVA e fiscalidade verde, orientada para uma maior equidade e competitividade do sistema fiscal”, os socialistas avançaram com a redução do IVA na restauração dos atuais 23% para 13% e a redução progressiva do IRC. Ontem à noite, o CDS revelou estar de acordo com a descida do IVA para os restaurantes, “desde que não coloque em causa o equilíbrio orçamental”, disse Pedro Mota Soares, e a redução progressiva no IRC para as empresas. “Estudar as conclusões do grupo de acompanhamento à questão do IVA da restauração, visando soluções mais favoráveis, sem prejudicar a consolidação”, propôs o CDS, acrescentando ser necessário um “compromisso relativo à estabilidade do quadro fiscal essencial para a recuperação do investimento, com especial enfoque no IRC e com a constituição de uma comissão de revisão do IRS”.
3 Os cortes de 4,7 mil milhões
No capítulo sobre a estabilização da economia, o Partido Socialista foi taxativo: “Parar com os cortes de 4,7 mil milhões acordados entre o Governo e a troika na sétima avaliação.” A esta posição dos socialistas, a delegação negociadora do PSD, encabeçada pelo vice-presidente Jorge Moreira da Silva, respondeu com a “adequação dos níveis de despesa pública e os níveis de carga fiscal”. “Convergência e equiparação entre os regimes laborais dos trabalhadores do sector público e do sector privado” e “assegurar a coerência entre a reforma do Estado e da administração pública” com a estratégia para o crescimento.
4 Despedimentos na função pública
O PS estava frontalmente contra. Por sua vez, a equipa do PSD apresentou a “adoção de regimes de requalificação da administração pública e diferenciação do mérito, estatuto e prestígio dos seus trabalhadores”. O CDS não é tão taxativo, admitindo voltar a discutir o processo de requalificação da administração pública, a convergência dos regimes de trabalho público e privado e as próprias 40 horas semanais. Porém, os centristas consideraram que, nesta discussão, havia medidas que, pura e simplesmente, teriam de ser dadas como adquiridas, fruto de uma obrigação do Estado: a convergência dos regimes de pensões entre a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações, aumento da idade da reforma para 66 anos através da revisão do fator de sustentabilidade, a revisão da tabela salarial na administração pública e a redução da despesa dos ministérios.
5 Pensões e salário mínimo
Neste ponto, verificou-se uma clara convergência entre PS e CDS e, uma vez mais, generalidades por parte do PSD. Os socialistas defenderam travão nos cortes nas pensões, a evolução dos salários em torno dos ganhos de produtividade e o “aumento do salário mínimo e das pensões mais reduzidas, como forma de combate à pobreza e apoio à recuperação da procura interna”. O CDS aproximou-se, propondo a “continuação de uma política de recuperação do poder de compra dos pensionistas que auferem pensões mínimas” e a “reafirmação do princípio de valorização do salário mínimo nacional feita em sede de concertação social”. E qual foi a proposta do PSD? “O princípio da coesão ou justiça intergeracional, enquanto princípio estruturante do financiamento da Segurança Social, o qual obriga a desenhar um esquema de repartição equitativa entre gerações e dentro das mesmas gerações, designadamente por via da análise dos montantes das contribuições e os montantes das pensões, os anos de contribuição, a forma de cálculo das pensões e uma projeção sobre a esperança média de vida.”
Parceiros sociais divididos sobre melhor solução
CCP, CIP, CGTP e UGT não convergem na solução que esperam ouvir de Cavaco Silva, mas todos pedem rapidez na decisão e mudança no ritmo atual das políticas de austeridade.
Eleições antecipadas e já, não em 2014. É esta, na opinião do secretário-geral da CGTP, a única leitura que o Presidente da República poderá fazer depois da interrupção, sem acordo, das negociações entre os partidos. Para Arménio Carlos, este desfecho era previsível, pelo que a proposta de Cavaco apenas fez o País “perder uma semana” e, neste contexto, “a única saída são eleições antecipadas” porque o Governo já não tem base eleitoral para tomar medidas de fundo sobre a função pública. Salientando ter mantido a “esperança” de que os partidos chegassem a um acordo, António Saraiva vê com preocupação o atual clima político e espera que o Chefe do Estado encontre agora uma solução dentro do quadro parlamentar. Rejeitando o cenário de eleições antecipadas, o presidente da CIP sublinhou ao DN/DVa necessidade de Portugal redefinir novas metas para as contas públicas com a troika, de forma a suavizar o programa de cortes que, sublinhou, deve ser feito em diálogo político e social. “Com mais tempo [para o défice], poderá haver uma plataforma de entendimento partidário”, referiu.
Sem se pronunciar sobre cenários políticos, João Vieira Lopes, da CCP, acentua sobretudo a necessidade de a solução governativa que Cavaco vier a encontrar envolva uma mudança na política económica e financeira que tem vindo a ser seguida até aqui e uma renegociação das metas do plano de ajustamento. Do lado da UGT, Carlos Silva lamenta o fim das negociações, mas acentua que o PS acabou por tomar a única atitude possível uma vez que não poderia subscrever um acordo que inclui medidas “tão lesivas para os portugueses”. L.T.
Jerónimo responsabiliza Cavaco e Seguro
Reação O secretário-geral do PCP responsabilizou ontem Cavaco Silva pelo “arrastamento” da crise política para “salvar” um Governo “ilegítimo”, reiterou a necessidade de eleições antecipadas e incitou o PS a abraçar uma “política de esquerda”. “O PCP tem relações com o PS. Muitas vezes dizem que nós atacamos muito o PS. Não, eu acho que é importante, até para o povo português, clarificar esta questão. Estar a discutir lugares num Governo futuro, fugindo à questão central que o povo português reclama que é um Governo para quê, para governar com quem e para quem?”, afirmou Jerónimo sobre a hipótese de um eventual entendimento com os socialistas.
‘Troika’ só volta com a situação clarificada
Regresso Em Bruxelas reina a expectativa em torno de uma “clarificação” que dê estabilidade governativa ao País. Sem esta condição, a” troika não regressará a Lisboa”. A Comissão Europeia não reagiu diretamente ao fracasso das negociações entre PSD, CDS e PS. Mas qualquer “decisão” sobre o regresso da troika a Lisboa “só será tomada” após uma “clarificação” da situação política, avançou uma fonte do executivo comunitário ao DN/Dinheiro Vivo. “Aminha expectativa é que qualquer decisão sobre uma possível visita [da troika] a Lisboa só seja tomada quando a situação política esteja esclarecida”, disse uma fonte ligada ao executivo comunitário. J.F.G.
Imprensa espanhola atenta a Portugal
CRISE A imprensa espanhola foi a que mais espaço dedicou à falta de um acordo de salvação nacional entre os partidos políticos portugueses, com os sitesdosprincipais títulos a destacarem o “fracasso” das negociações. O tema mereceu ainda a atenção dos maiores jornais brasileiros e também a agência Bloomberg dedicou um extenso artigo ao desfecho destas negociações, recordando mesmo as palavras de Passos Coelho sobre o efeito deste clima de instabilidade no esforço do País em regressar aos mercados. No site da revista The Economist, que na sua última edição escreveu que Portugal não está a distanciar-se da Grécia, o desacordo não é destacado. L.T.
Diário Notícias | Domingo, 21 Julho 2013
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