De forma inaceitável e até inédita, o que se passou no Conselho de Estado (tudo?) foi despejado no meio da rua
1. Esperava que a reunião do Conselho de Estado (CE) me desse um pretexto para elogiar a ideia do Presidente. Mas o resultado final foi uma decepção. A ideia continua a ter mérito. Escolher um tema importante embora não urgente, como o consenso a obter para além da troika, permitiria obliterar temas actuais não urgentes ou depreciáveis, como a esperada demissão do Governo, ou apenas do ministro das Finanças. A fluidez do tema parece ter dado asas aos conselheiros para falarem sobre tudo, para se dividirem, para assinalarem a pequenez do Governo, para negarem a possibilidade de consenso sem novas eleições e, ao fim e para implicitamente criticarem o Presidente, ou pela sua colagem ao Governo, ou pela mudança de posição. Preso por ter cão e preso por não ter.
De forma inaceitável e até inédita, o que lá se passou (parte, ou tudo?) foi despejado no meio da rua. Chegam notícias de que algo de semelhante se passa com as reuniões do Conselho de Ministros (CM), cuja agenda, deliberações, sentido e conteúdo aparecem sistematicamente nos jornais económicos. O que destrói a estratégia comunicacional, mina o prestígio do órgão e sobretudo viola a lei. Um conselho simples: sempre que no dia do CM surgisse na comunicação social um dos temas, normalmente legislação a ser discutida e aprovada, o secretário do Conselho teria instruções para retirar o tema da agenda. Remédio santo. Quem tenha interesse directo na agenda guarda silêncio sobre ela, para a não retardar.
2. Mais preocupante é a notícia de que o Ministério das Finanças estaria a "avaliar o reforço da posição do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) em dívida pública nacional". Estaria em causa alargar de 55 para 90% a obrigatoriedade de colocação das reservas, em dívida soberana nacional. Em termos quantitativos, tratar-se-ia de subir de cerca de 10 para 18 mil milhões de euros a tomada de posição do Fundo na dívida pública. Valores sob reserva de confirmação. O fundo que laboriosamente se vinha a constituir há quase vinte anos, afinal vai ser utilizado na cosmética da dívida. É tentadora a operação: despacho conjunto de dois ministros, ou mera alteração de um ignoto artigo de uma ignorada portaria, onde se substitui um valor por outro. Sem sindicância de constitucionalidade, nem sequer carecendo de promulgação presidencial. E, todavia, com enormes implicações na política de Segurança Social, actual e futura. Nada será possível sem o beneplácito do ministro da pasta, por acaso do CDS. Convirá estarmos conscientes do que está em causa, sobretudo os sindicatos e patrões que tomam assento num órgão consultivo do Fundo. Surgiram nesta semana estimativas das nossas reservas de ouro, um pouco acima de 15 mil milhões. O ouro não deve nem pode ser vendido de uma assentada, dado o risco de queda súbita das cotações. Mas pode ser dado como garantia e, sem muita imaginação, servir para abater ao valor da dívida. Em tempos de fim de Governo, não faltará quem se deixe tentar por tão criativa ideia.
3. O crédito malparado em bancos nacionais terá atingido 11 mil milhões, soube-se esta semana. Espera-se que também aqui não haja tentações imaginativas. Como seria um ou outro banco colocar esse malparado num fundo de participações vendendo-o aos balcões, a depositantes incautos e confiantes. Durante um ano ou dois, o fundo pagaria dividendos, depois baixaria o seu valor, depois suspendia e finalmente desapareceria, arrastando para o abismo financeiro centenas de famílias e investidores médios, inocentes e ingénuos. Já vimos o filme. Convirá que quem de direito, certamente o regulador, esteja atento. Esta desconfiança na banca seria impossível e inaceitável há cinco anos atrás. Infelizmente, hoje tornou-se comum.
4. Estamos a quatro meses de eleições autárquicas. Não se esperam milagres, em princípio o futuro próximo será igual ou pior que o presente. Até lá, teremos que digerir as informações económicas e financeiras sobre o segundo trimestre. O Governo continuará dividido, sem agenda política nem sequer no CM, a caminho de inexorável enfraquecimento. Sem projectos, apenas com anúncios. Agora chegou o renascer dos estaleiros de Viana, com o anúncio, por nova secretária de Estado (a mesma que, nas eleições regionais açorianas, negava qualquer proximidade a Passos Coelho), sobre o início da construção de navios para a Venezuela. Reconciliação abençoada e trabalho garantido para os operários vianenses. Será assim? A troika virá uma vez mais até ao final do Verão. O Orçamento para 2014 terá que estar feito até lá, com ou sem os grandes cortes, ditos estruturais. O Governo irá especializar-se em notícias inconsequentes, como já começou a fazer: terminal oceânico da Trafaria, reduções do IRC a seis anos de distância, chuva de fundos comunitários a 10% de componente nacional, mais comboios de alta velocidade e até, não se admirem, um novo aeroporto de Lisboa. As oposições continuarão as suas linhas: à esquerda do PS, capitalizando no descontentamento, deixam-nos, ao menos, o alívio de serem mais previsíveis que um eventual partido populista. Da Europa, todos esperam uma vitória esmagadora de Angela Merkel. Resta saber se repetirá a coligação com os liberais, ainda possível, ou se preferirá a grande coligação com os sociais-democratas. Sabê-lo-emos no final de setembro. Para nós, o aumento de salários de 2,5% este ano, na grande indústria alemã, significa maior procura e mais exportações, é uma boa notícia.
Deputado do PS ao Parlamento Europeu. Escreve à segunda-feira
Público: 27/05/2013 - 00:00
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