Morte de menina por julgar porque juízes não se entendem
Dois médicos do
Hospital Pediátrico de Coimbra estão há mais de nove anos para serem julgados
por homicídio negligente. Tudo por causa de dúvidas entre juízes sobre a
comarca competente para analisar o processo.
O caso, que culminou
com a morte de uma menina de Tábua, em março de 2004, começou a ser julgado no
Tribunal de Penacova, tendo chegado quase às alegações finais, mas após uma
violenta troca de palavras entre a juíza e o advogado Rodrigo Santiago
(defensor de um dos arguidos), a magistrada apresentou queixa-crime contra o
causídico e invocou escusa.
O juiz substituto
também invocou escusa e o terceiro a assumir o julgamento, que já contava com
quase uma dezena de sessões realizadas e cerca de 30 testemunhas ouvidas,
entendeu que a comarca competente era a de Coimbra, pelo que remeteu o processo
para a Relação. Esta discordou e ordenou que o julgamento decorresse em
Penacova e começasse do zero, anulando os testemunhos prestados, que terão de
ser repetidos. O (re)início ainda não está agendado.
Ana Rita Almeida
Santos, de 10 anos, sentiu-se mal no dia 15 de março de 2004 e foi ao centro de
saúde de Tábua, tendo-lhe sido diagnosticada uma gastroenterite. No dia
seguinte, os sintomas agravaram-se e a médica do mesmo centro de saúde,
suspeitando de apendicite aguda, reencaminhou a doente para o Hospital
Pediátrico de Coimbra (HPC), dando nota aos colegas da gravidade da situação.
Um cirurgião e um pediatra deram-lhe alta sem realizar exame complementar de
diagnóstico. Um deles terá garantido à mãe de Ana Rita que esta não sofria de
apendicite aguda.
A menina foi para
casa e não dormiu a noite toda. No dia 17, foi a outro médico, em Arganil, que
confirmou “sinais característicos de apendicite” e ordenou que Ana Rita fosse
de imediato para o HPC. Perto de Penacova, Ana perdeu os sentidos e foi
transportada para o centro de saúde local, onde declararam o óbito. A autópsia
confirmou que a causa da morte foi “apendicite aguda perfurada complicada de
peritonite”. O Ministério Público acusa os dois médicos do HPC de coautoria do
crime de homicídio negligente. Os pais da menor exigem mais de cem mil euros de
indemnização. O crime pode prescrever em 2014.
Ao JN, o bastonário
da Ordem dos Advogados disse que “a questão da competência territorial já
estava decidida quando a juíza deu início ao julgamento”. “Não percebo como é
que outro magistrado desfaz na colega”, afirmou Marinho Pinto. O bastonário
considera que “esta atitude favorece os arguidos” e “é o exemplo do mau
funcionamento da justiça”. “Chutar para canto é o grande problema de muitos
magistrados”, diz.
JN Online,
20 Maio 2013
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