Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Foi a filósofa americana
Martha Nussbaum que me deu a conhecer, num livro sobre a inteligência das
emoções ("Upheavels of Thought"), estas palavras de Gustav Mahler na
maravilhosa 2ª Sinfonia: "acredita, meu coração, que nada do que quiseste
se perderá". É um hino de esperança perante a morte, mas também um apelo à
Justiça, que o Direito deve escutar.
A
ideia dominante de Justiça tende a nivelar todas as pessoas, abstraindo das
suas capacidades individuais, tanto para as castigar como para as premiar.
Porém, na tradição estoica, é justo atribuir a cada um o que lhe pertence.
Trata-se, na formulação apresentada há 1800 anos por Ulpiano, de dar a cada um
o que lhe é devido: "suum cuique tribuere".
Esta é uma ideia de Justiça que acredita em duas teses
fundamentais: por um lado, somos feitos da mesma matéria e possuímos uma
natureza comum, podendo apresentar idênticos defeitos e virtudes, o que
possibilita o julgamento individual; por outro lado, cada pessoa tem a sua
especificidade, com crenças e capacidades cuja realização deve ser assegurada.
As palavras de Mahler parecem contradizer uma afirmação amarga de
Manoel de Oliveira, segundo a qual "a vida é uma derrota". Se é
verdade que todos transportamos, neste momento de angústia generalizada, os
traços de uma derrota, também é certo que há sinais de que os nossos pequenos
ou grandes desejos não poderão ser apagados da história individual e coletiva.
A Justiça Penal também deve partir de uma leitura da condição
humana em conflito entre as dificuldades sociais e o desejo de atingir
objetivos que exprimem o que há de melhor em cada pessoa. Punir alguém deve corresponder
à responsabilidade de libertar o criminoso do seu crime e não a uma simples
fórmula técnica ou a um ato de conveniência política.
Na perspetiva da Constituição, este entendimento é imposto pela
essencial dignidade da pessoa humana, princípio que é reconhecido, logo no
artigo 1º, como pressuposto e fundamento da própria República Portuguesa. Essa
essencial dignidade obriga-nos a tratar cada ser humano como um fim em si mesmo
e não como um meio de alcançar outros objetivos.
Só assim a "amarga necessidade" punitiva de que falava,
no século XVIII, o jurista e filósofo Cesare Beccaria – um dos expoentes do
iluminismo italiano, que se distinguiu na luta contra a tortura e a pena de
morte – se pode transformar numa atividade social útil. O regresso à retribuição
penal ou a uma prevenção utilitarista constituiria um profundo retrocesso.
Sem comentários:
Enviar um comentário