domingo, 6 de janeiro de 2013

Decisão à Francesa


Fernanda Palma - O Conselho Constitucional francês considerou inconstitucional, em fiscalização preventiva, uma taxa de imposto de 75% sobre os rendimentos superiores a um milhão de euros. Mas o fundamento não foi a desproporcionalidade dessa contribuição extraordinária de solidariedade social pedida por dois anos aos titulares dos rendimentos mais elevados.
O Conselho Constitucional entendeu apenas que o método de cálculo do imposto violaria o princípio da igualdade. Com efeito, o projeto legislativo – que teve, entre outras consequências, a atribuição da nacionalidade russa a Gérard Depardieu – previa para os rendimentos sujeitos a imposto uma base estritamente pessoal, não tendo em conta o agregado familiar.
Assim, mesmo que um dos membros do casal não auferisse quaisquer rendimentos, os elevados rendimentos auferidos pelo outro justificariam a aplicação da taxa de 75%. Porém, se num agregado familiar ambos os cônjuges ultrapassassem (até perto do dobro) aquele rendimento, mas nenhum o atingisse singularmente, já não poderia ser aplicada a referida taxa.
Nunca esteve em causa, num Conselho Constitucional a que pertence o próprio Nicolas Sarkozy, a proporcionalidade da altíssima taxa de imposto aplicável a rendimentos muito elevados ou a lógica de solidariedade social em que se baseia. Apenas se discutiu a igualdade entre muito ricos e muito ricos, em nome da equidade fiscal e da sua capacidade contributiva.
Os problemas que o nosso Tribunal Constitucional deverá analisar são de natureza quase inversa. Na verdade, questiona-se a discriminação dos rendimentos do trabalho, em geral, dos funcionários públicos e dos reformados, em particular, e a contribuição extraordinária de solidariedade que incide sobre reformas que em pouco excedem os mil euros mensais.
O Tribunal Constitucional não pode, assim, decidir à francesa, abstendo-se de confrontar a estrutura do Orçamento com princípios constitucionais tão básicos como a igualdade e a confiança. Estará de novo em causa, como já evidenciou o Acórdão relativo ao Orçamento de 2012, a discriminação negativa dos salários e das reformas quanto a outros rendimentos.
E se chegar a ser colocada pelos Deputados a questão da progressividade do imposto (associada à supressão de escalões), o Tribunal Constitucional deverá precisar ainda o significado do princípio da equidade fiscal. Terá de esclarecer qual é o grau de exigência que resulta da previsão constitucional de um imposto sobre o rendimento "único e progressivo".
Correio da Manhã, 6-01-2013

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