sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Um juiz fora de jogo

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Um juiz fora de jogo

Por Francisco Teixeira da Mota"Ele é que tem de provar aos sócios do Benfica que tem 25 anos de associado para ser candidato. Ele não tem 25 anos de sócio. Foi o juiz Cândido de Oliveira, o grande apoiante de Vale e Azevedo, quem testemunhou que ele tem 25 anos de sócio. Este homem quer viver à sombra do Benfica, quer governar-se com o Benfica. O Vale e Azevedo ao pé dele deve ser um principiante", afirmou na quarta-feira à noite na RTP, Luís Filipe Vieira, presidente e candidato a presidente do Benfica, referindo-se ao juiz desembargador Rui Rangel, também candidato a presidente do Benfica.

Estas declarações, a que se seguiram outras do mesmo tipo, em directo na televisão - de resto, o presidente do Benfica parece ter o dom da ubiquidade, já que estava ao mesmo tempo na SIC e na RTP1 -, enquadram-se numa profícua campanha eleitoral que tem, seguramente, entusiasmado muitos portugueses. 

Afirmou ainda Luís Filipe Vieira em resposta a insinuações do seu adversário eleitoral quanto ao enriquecimento daqueles que consigo trabalham ou mesmo de si próprio, que seria necessário fazer uma auditoria à Associação Sindical dos Juízes Portugueses no período em que Rui Rangel foi seu presidente. E, em anteriores declarações, o presidente do Benfica já afirmara que "... este senhor mentiu aos benfiquistas. Um senhor que é juiz, que tem de pautar a vida dele com rigor e verdade, continua a mentir, descaradamente, a todos os benfiquistas. Esse senhor envergonha a magistratura. Não sei como o Conselho Superior de Magistratura não se pronunciou, isto é vergonhoso".

Rui Rangel, segundo foi noticiado, respondeu na própria quarta-feira, afirmando que as declarações de Luís Filipe Vieira são "... de uma baixeza e indignidade tão grande, são próprias de quem não quer debater o Benfica, não tem dimensão democrática e está de cabeça perdida e desesperada. A mim não me ofende qualquer pessoa. Amanhã irá haver uma participação criminal sobre as afirmações que foram produzidas". Toda esta novela é profundamente lamentável, mas quanto a mim há um único responsável: Rui Rangel.

Na verdade, é deprimente para qualquer cidadão com um mínimo de cultura cívica ouvir um presidente de um clube de futebol referir-se a um juiz nos termos referidos, mas não tenho dúvidas que foi a falta de sensatez do juiz desembargador ao candidatar-se à presidência do Benfica que deu origem a este lamentável episódio.

Não sei quais foram as razões que levaram Rui Rangel a dar este passo público - na minha opinião, menosprezando a sua qualidade de juiz. Até pode ser por amor ao Benfica, mas não posso deixar de lembrar que "quem não quer ser lobo não lhe veste a pele" ou que "quem vai à guerra, dá e leva". Acrescentaria, ainda, a clássica frase do Presidente norte-americano Truman: "Se não suportas o calor, evita a cozinha".

Recorrer agora à via judicial contra o seu adversário é a prova provada de que nunca se devia ter metido nestas eleições, desprestigiando-se pessoalmente e aos juízes em geral ou será que estava à espera de ser tratado como juiz ? 

Ora, Luís Filipe Vieira, de facto, não o respeitou como juiz, mas foi Rui Rangel que não se deu ao respeito ao entrar nesta luta eleitoral, sendo certo que algumas das suas afirmações públicas também não terão sido as mais elegantes.

Esta questão das relações entre os juízes e o mundo do futebol já está "mais do que gasta". Em tempos, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) proibiu mesmo esta promiscuidade, mas o Tribunal Constitucional considerou que tal limitação nas actividades extraprofissionais dos juízes violava a Constituição. O CSM - sublinhe-se que, na altura, se discutia a presença de juízes em órgãos disciplinares das instâncias desportivas e não na presidência dos clubes - passou, então, a apelar ao bom senso dos juízes, até porque as experiências havidas da passagem de juízes pelo mundo do futebol não eram nada positivas, antes pondo em causa a imagem de independência e seriedade que os magistrados devem ter. 

A referência feita pelo presidente do Benfica ao juiz Cândido de Oliveira não é inocente; lembro-me da forma como Vale e Azevedo tratou esse juiz numa conferência de imprensa televisionada: como um empregado. Verdadeiramente triste de se ver, como é triste estarmos a presenciar este conflito. 

Espero que de tudo isto resulte, pelo menos, uma coisa positiva: que tão cedo nenhum juiz caia na tentação de fazer os títulos da 1.ª página dos jornais desportivos.

P.S.: Bem fez a Ordem dos Advogados ao protestar publicamente contra o violento espancamento de que foi alvo Silvestre Alves, advogado da Guiné-Bissau, por parte de um grupo de militares daquele país. Espera-se que a Ordem continue a acompanhar activamente a situação. 
PÚBLICO - Sexta-Feira 26/10/2012

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