domingo, 29 de abril de 2012

Sentir o Direito: Cultura Constitucional


A repetição de polémicas estéreis, sem um fundamento sólido, em torno do Tribunal Constitucional exige a evocação de certos factos. Herdeiro da Comissão Constitucional, criada após a Revolução de Abril, este Tribunal tem sido um instrumento de aperfeiçoamento democrático das leis e a qualidade da sua jurisprudência é reconhecida pela comunidade jurídica.

Na verdade, o Tribunal Constitucional tem obrigado a adequar à Constituição inúmeras leis que a representatividade democrática deixou conceber sem o rigor necessário. Aconteceu assim com várias leis atinentes a direitos fundamentais, no campo do Direito e do Processo Penal, do Direito do Trabalho, do Direito Administrativo ou do Direito da Família.
Por outro lado, O Tribunal Constitucional português tem granjeado um elevado prestígio, sendo citado com muita frequência em instâncias internacionais. O Tribunal faz parte das Conferências dos Tribunais Constitucionais ao nível mundial, europeu, ibero-americano e da CPLP e constitui um poderoso instrumento de difusão do nosso pensamento jurídico.
Além disso – e apesar de a escolha dos juízes ser feita, como noutros países, por acordo entre partidos com representação parlamentar –, as decisões, mesmo quando têm incidência política, são tomadas quase sempre por unanimidade ou por larga maioria e com fundamentos sólidos. Assim aconteceu, recentemente, com a lei do enriquecimento ilícito.
Por fim, pode dizer-se que existe já uma cultura jurídica que controla os desvios à democracia e os atentados aos direitos fundamentais, formada pelas dezenas de juízes que têm trabalhado no Tribunal Constitucional. Essa cultura dificilmente poderia ser gerada por uma instância judicial "normal" e sem o diálogo entre juristas com diferen-tes proveniências e mundivisões.
Por tudo isto, é indispensável valorizar a jurisprudência do Tribunal Constitucional e preservar a sua tradição de estudo e de rigor (que se tem conjugado sempre com um alto nível de produtividade). As questiúnculas sobre os nomes de juízes não podem pôr em causa a cultura de constitucionalidade que se desenvolveu por obra daquela instituição.
Aos novos juízes, tal como aos antigos, exige-se uma forte predisposição para dar sequência ao trabalho anterior, com a máxima independência de pré-compreensões políticas, ideológicas ou religiosas e livres de qualquer influência exterior. Essa exigência, vital para o Estado de Direito Democrático, deve ser-lhes feita, desde logo, pelos partidos que os propõem.
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Correio da Manhã de 29-4-2012

Sem comentários: