Magistrados
pedem a Rui Rangel que suspenda funções de juiz
Por Pedro Sales Dias
Bastonário
da Ordem dos Advogados considera que candidatura à presidência do Benfica é
incompatível com o Estatuto dos Magistrados. Conselho Superior da Magistratura
recomenda suspensão de funções
O juiz
desembargador Rui Rangel, candidato à presidência do Sport Lisboa e Benfica
(SLB), deve suspender as funções de magistrado judicial enquanto decorre o
período eleitoral. Esta é a opinião de vários juristas consultados pelos
PÚBLICO. Alguns defendem mesmo que esta é a única forma de impedir prejuízos à
imagem da magistratura e ao prestígio do juiz desembargador.
Aliás, o
Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão superior de gestão e disciplina
dos juízes, resolveu fazer essa sugestão a Rangel. Numa decisão tomada
terça-feira à noite, em plenário, o CSM recomenda ao juiz que suspenda o
exercício das suas funções durante a campanha eleitoral do clube, segundo uma
notícia do Correio da Manhã confirmada
ontem pelo PÚBLICO.
"Só
posso partilhar" essa recomendação, refere o presidente da Associação
Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Mouraz Lopes, recusando, contudo,
comentar a decisão por não a conhecer. Para o representante dos juízes, "a
questão da imparcialidade de um juiz é um ponto fundamental" e "o
Estatuto dos Magistrados Judiciais impede o exercício de actividades
privadas".
Mouraz
Lopes ressalva, sem se referir ao caso concreto, que nem tudo estará plasmado
no estatuto, mas que "está sempre implícita uma ética e um bom senso
fundamentais" e que "há cargos que, para se assumirem, tem de se ter
a noção que não são compatíveis com os deveres e o ónus de ser juiz". O
também desembargador lembra que, em 2008, a ASJP aprovou o Compromisso Ético
dos Juízes Portugueses, segundo o qual os juízes devem-se "abster de
exercer qualquer tipo de actividade, ainda que totalmente gratuita, em
associações desportivas ligadas a qualquer forma de modalidade de desporto
profissional, nomeadamente o futebol".
O
Estatuto dos Magistrados Judiciais, por seu lado, estabelece que os juízes no
activo "não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de
natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica
de natureza jurídica não remunerada, e ainda funções directivas em organizações
sindicais da magistratura judicial".
Rangel
não comenta
Rangel
não quis ontem comentar a recomendação do CSM por ainda não ter sido
notificado, mas lembrou que existe "o princípio do livre associativismo na
Constituição". O juiz já pediu escusa num caso relacionado com membros da
claque benfiquista No Name Boys que estava em recurso no Tribunal da Relação de
Lisboa, onde está colocado. No tribunal, aliás, a decisão de concorrer ao SLB
está a provocar grande polémica.
Também o
bastonário da Ordem dos Advogados e colega de painel de Rui Rangel no programa
da RTP Justiça Cega, Marinho e
Pinto, defende que o juiz deve "suspender de imediato as suas
funções". "Não é correcto continuar a exercer funções. O Estatuto do
Magistrado exige exclusividade. O juiz exerce funções soberanas. Deve suspender
para evitar que a imagem da magistratura e o seu prestígio próprio fiquem
prejudicados por uma refrega eleitoral como esta", sublinha. Marinho e
Pinto admite que Rangel - que preside à Associação Juízes pela Cidadania - tem
muitos direitos como cidadão, mas lembra que estes estão "restringidos
pelo facto de ter deveres como juiz".
O
constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos também não tem dúvidas.
"Parece-me óbvio que essa recomendação [do CSM] seja auscultada. É uma
actividade incompatível com a actividade de juiz. Essa decisão deve ser tomada
em nome da independência judicial e por consciência dos deveres deontológicos.
A independência e a imparcialidade têm de ser preservadas. Aliás, o próprio
deve proteger-se dos efeitos negativos", salienta ao PÚBLICO.
Recomendação
"absurda"
António
Cluny, ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, lembra
mesmo que os "juízes estão proibidos de ocuparem cargos em sociedades
comerciais" e que, se Rangel ganhar as eleições, terá um cargo na SAD do
SLB. "A recomendação do CSM parece-me avisada e moderada", diz o
agora presidente da MEDEL - Magistrados Europeus pela Democracia e pelas
Liberdades, que, contudo, sublinha falar apenas a título individual.
Não é a
primeira vez que o CSM se pronuncia sobre esta matéria. Numa recomendação feita
por aquele órgão em 2008, e que reitera outra datada de 2006, o CSM considera
"desaconselhável" a participação de juízes "nos órgãos de
disciplina do futebol profissional, dadas as consequência negativas que, com
frequência, daí resultam para a imagem dos magistrados junto dos
cidadãos". A recomendação refere-se apenas a órgãos de justiça desportiva
e não a órgãos de direcção.
Mas
também há quem considere a recomendação do CSM "absurda". Um antigo
membro do conselho considera que "dificilmente uma actividade nos órgãos
de desporto profissional é incompatível com a de juiz". "Isso não
está previsto nos Estatutos. Uma coisa é o que se considera em abstracto, outra
é que o realmente a lei prevê. E nisso não é clara", refere. O mesmo
ex-conselheiro lembra que Rangel está apenas a candidatar-se e "não está,
para já, a exercer qualquer cargo incompatível".
Colado
de Jornal
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