sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O testamento do procurador-geral da República

Diário Notícias | sexta-feira, 28 Setembro 2012
ANÁLISE 
A semanas de terminar o seu mandato, Pinto Monteiro fechou o ciclo na cadeira da rainha com mais declarações polémicas
Durante seis anos de mandato, Pinto Monteiro, procurador-geral da República, foi fértil em declarações e decisões polémicas: falou sobre a “farsa” do segredo de justiça, dos “barulhinhos” do telemóvel e das escutas ilegais, dos processos políticos, das pressões, dos condes e marqueses do Ministério Público até à “Rainha de Inglaterra”, e por aí fora. A semanas de terminar o seu mandato, o procurador-geral resolveu repisar muito do seu argumentário numa entrevista à RTP, fazendo questão de deixar o seu testamento para o Ministério Público.Na última entrevista à RTP, Pinto Monteiro até localizou com precisão onde se podem comprar aparelhos para fazer escutas ilegais: Praça da Figueira, Lisboa. Ora, quando um procurador-geral tem conhecimento deste tipo de factos, porque não manda investigar? Pinto Monteiro defende-se: “Não posso.”Outro cavalo de batalha de PGR foi a “politização do Ministério Público”. Intimamente, Pinto Monteiro acreditava que certos processos tinham uma origem política, como o Freeport. Esta semana, voltou à carga: a decisão do coletivo de juizes, que julgou o caso, de mandar para o Ministério Público uma certidão para que se investigue suspeitas de corrupção, é algo “estranho e inédito”. Da parte do Conselho Superior da Magistratura, nenhuma reação. A Associação Sindical dos Juizes também optou pelo silêncio. “É preciso deixar o senhor procurador-geral terminar o seu mandato com dignidade”, declarou ao DN fonte sindical.Apenas o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público reagiu. Em declarações à Lusa, Rui Cardoso, presidente do SMMP, classificou como “gravíssimas” as declarações do PGR. A guerra com o sindicato foi outro marco do mandato de Pinto Monteiro. O procurador-geral nunca gostou da influência da estrutura sindical na magistratura e no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).Aliás, numa recente entrevista à revista Advocatus, o PGR criticou os poderes excessivos do CSMP em detrimento dos do PGR.Com mais de 40 anos na magistratura, como fez questão de salientar, ao longo do seu mandato Pinto Monteiro foi muito criticado por não conhecer o Ministério Público. De facto, o procurador-geral fez a sua carreira como juiz, sobretudo no cível, chegando a conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Para quem se queixou de apenas ter o poder da “Rainha de Inglaterra”, isto é, de ser uma figura meramente institucional, sem poder agir em concreto, Pinto Monteiro não percebeu que, tal como a Rainha ou o Presidente da República, o procurador-geral tem um poder único: o poder da palavra.A palavra do PGR é um dos elos de ligação entre o MP e os cidadãos. Durante seis anos, Pinto Monteiro preferiu, muitas vezes, marcar a agenda com declarações polémicas. Durante seis anos, fruto do sacrossanto princípio da separação de poderes, nem o Governo nem o Presidente da República lhe exigiram cautela. O ciclo de Pinto Monteiro terminou como começou: inconsequente. 
PROCESSOS DISCIPLINARES 
Procurador-geral despede-se do DCIAP 
Pinto Monteiro vai fazer, hoje, uma visita ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), numa espécie de despedida aos procuradores que trabalham naquele organismo liderado pela procuradora Cândida Almeida. Nos últimos anos, este departamento foi fustigado pelo procurador-geral com processos disciplinares.Primeiro, aos dois magistrados que conduziram o processo Freeport, Vítor Magalhães e Paes de Faria. O segundo já abandonou o DCIAP.Magalhães está agora com o processo das PPP. Depois instaurou processos às procuradoras do caso dos submarinos, Carla Dias e Auristela Pereira, tudo por causa de uma relação pessoal entre a primeira procuradora e um perito. Nem Cândida Almeida escapou: dois processos disciplinares. Foram todos arquivados.

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