Alberto Costa
1 A decisão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais
as medidas de suspensão dos pagamentos dos subsídios de férias e de
Natal aos pensionistas de todos os sectores e aos trabalhadores do
sector público constitui uma reafirmação, que era imperiosa, do Estado
de Direito democrático. Chegámos aqui, e só agora, por força de omissões
e demoras inexplicáveis. Mas o essencial é que assistimos ao triunfo
dos princípios constitucionais – que tinham sido, no caso, afrontados
pelo Governo e pela maioria que o apoia.
2. O que surpreende é que, logo nos minutos a seguir ao conhecimento
da decisão, tenha começado, e através do primeiro-ministro, Passos
Coelho, uma verdadeira operação de intoxicação, visando dar por assente
que o Tribunal Constitucional “entendeu que a medida deve ser extensiva
aos outros cidadãos. Tem mesmo que ser assim”.
Em vez de fazer democraticamente mea culpa, como seria digno , o
primeiro-ministro o que fez, e na hora, foi apresentar o Tribunal
Constitucional como o “culpado” da futura generalização da medida
reprovada. Precipitação, desrespeito institucional e inconsciência
constitucional esteseria um diagnóstico benigno.
3. Mas o primeiro-ministro, Passos Coelho, nessas afirmações (e assim
em todas as que logo inspirou, dos grandes títulos às pequenas
análises) não tem razão. Se vier a ler o acórdão proferido, ou se melhor
se aconselhar acerca do seu conteúdo, verificará que o Tribunal
Constitucional não aponta nem sugere – nem lhe caberia fazê-lo – a
generalização da medida inconstitucional aos pensionistas e
trabalhadores do sector privado. E sucede que ela até já abrangia os
pensionistas do sector privado…
O Tribunal Constitucional considerou, pelo contrário, para recusar a
diferença de tratamento, que podia configurar-se “o recurso a soluções
alternativas para a diminuição do défice, quer pelo lado da despesa
(v.g. medidas que constam dos memorandos de entendimento), quer pelo
lado da receita (v.g. através de medidas de carácter mais abrangente e
efeito equivalente à redução de rendimentos)”.
Muito diferente do que, na hora, é atribuído ao Tribunal Constitucional e logo a seguir projectado em primeiras páginas!
4. O primeiro-ministro também deveria saber que o Tribunal
Constitucional apenas se debruçou sobre um dos vários fundamentos
invocados (violação do princípio da igualdade). Tendo considerado
concludente, por nove votos em 12, o exame desse parâmetro, não
considerou sequer necessário debruçar-se sobre todos os outros
fundamentos invocados. E agiu assim, admitindo abertamente que “a
situação específica dos reformados e aposentados se diferencia da dos
trabalhadores no activo, sendo possível quanto aos primeiros convocar
diferentes ordens de considerações no plano da constitucionalidade”,
como se sustentava no pedido. Convém, pois, resumir, e em termos simples
para ficar bem claro: quaisquer medidas devem respeitar o princípio da
igualdade, único que chegou aqui a ser examinado, mas igualmente todos
os outros princípios constitucionais! A esse teste terão de ser
submetidas também as medidas futuras.
5. Há um ponto controverso e em que frontalmente se diverge – o mesmo
fazem logo três membros do tribunal – da decisão agora proferida. Ao
remeter para 2013 e anos seguintes os efeitos úteis da declaração de
inconstitucionalidade, o tribunal não respeita apenas os efeitos já
produzidos até ao momento da decisão (o que, sob estritos pressuposos,
poderia ser admissível, por não estar então ainda adquirida a
inconstitucionalidade das normas). O tribunal parece “validar” que,
ainda este ano, o executivo aplique e faça aplicar ao subsídio de Natal
de 2012, normas cuja inconstitucionalidade já se encontra declarada.I
sso é doutrinariamente contestável – e é insustentável do ponto de vista
dos seu efeitos em sede de legitimação política. Como pode alguém, num
Estado de Direito, exigir desigualmente mais sacrifícios, fazendo impor
normas que já foram inconstitucionais? Qual a legitimidade? Qual a
credibilidade?
Numa declaração de voto, um dos membros do tribunal que não aceitaram
qualquer restrição de efeitos, o conselheiro Pamplona Rodrigues,
escreve que o Governo “tinha o dever de invocar, se as houvesse, as
razões de excepcional interesse público que, em seu entender, imporiam
uma restrição dos efeitos. Não o fez”. Que credibilidade sobra? As
fundamentadas divergências que agora se manifestaram a este respeito,no
seio do TC, levam mesmo a pensar que o tribunal encontrará no futuro a
oportunidade para revisitar e aprofundar o ponto e consagrar melhor
orientação.
6. É chocante ouvir um primeiro-ministro dizer, em reacção a uma
decisão dum Tribunal Constitucional – que obviamente, do ponto de vista
político, o atinge e o desautoriza, mas só por demérito das suas
próprias opções – que “com ele” os objectivos não deixarão de ser
cumpridos. É bom que retire deste epísódio a lição de que é “a ela”, a
Constituição, que um primeiro-ministro, num Estado de Direito, deve, em
primeiro lugar, lealdade e respeito. Este era um ponto em que, com
vantagem, se poderia inspirar no exemplo alemão.
Ex-Ministro da Justiça, primeiro subscritor do pedido de declaração de inconstitucionalidade
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