Tais tribunais arbitrais são chamados a intervir e proferem decisões que, não raro, condicionam o destino de processos paralelos que correm nos tribunais estatais.
A lei, como fonte de direito, tem em geral vindo a perder força e capacidade de regulação económica e social.
Tal mudança resulta – sinal dos tempos – da menor vontade de criar fontes de regulação do interesse geral, aprovadas democraticamente pelos representantes do povo, invocáveis por todos e perante todos. Em sua substituição, assoma um mais liberal e variável conceito de interesse particular, que se quer regulado, casuística e exclusivamente, por um contrato firmado entre partes e válido apenas entre elas. Só que, também neste caso, substância e forma não são absolutamente cindíveis.
A fim de resolver os conflitos de interpretação destas fontes privadas de direito, a lógica política dominante tem, cada vez mais, permitido a substituição dos tribunais estatais por tribunais arbitrais. Para os interesses especiais, regulados por instrumentos bilaterais privados, servem melhor estes tribunais, que podem, em nome do tipo de eficiência que os meios económicos exigem, prescindir da lei e socorrer-se de um mais apelativo e conveniente princípio da equidade.
Para os restantes conflitos, os que têm por base direitos gerais conferidos por leis da República, servem ainda, por ineficientes que os deixem ser, os tribunais judiciais, que julgam em nome da lei e do povo. Que as relações e os conflitos entre agentes económicos genuinamente privados possam, voluntariamente, ser resolvidos por essa via, pouco haverá a objectar. Desde que, claro, o resultado de tal ordenação não sirva para violar princípios de ordem pública.
Já nos deve, porém, inquietar que possam ser resolvidos por tais tribunais os conflitos contratuais entre entidades privadas e instituições que, com diferentes figurinos jurídicos, afinal apenas gerem dinheiros do Estado. Pedro Lomba, insuspeito de preconceitos estatizantes, suscitou a questão em artigo recente.
Estes tribunais são compostos por árbitros nomeados pelas partes contratantes: entidades privadas e, neste caso, entidades que, gozem ou não de autonomia jurídica e financeira perante o Estado, gerem os seus fundos e dependem do seu financiamento. O peso financeiro das suas decisões acaba assim por incidir não só na aparentemente restrita esfera jurídica e financeira dessas entidades, mas também na de todo o Estado, isto é, sobre todos nós.
Acontece também que tais tribunais arbitrais são chamados a intervir e proferem decisões que não raro condicionam o destino de processos paralelos que correm nos tribunais estatais e visam a salvaguarda dos valores protegidos por lei e o interesse público. O caso dos tribunais arbitrais das PPP é flagrante.
Acresce que os árbitros são pagos principescamente, os critérios que presidem à sua escolha pelas entidades instituídas pelo Estado não respeitam, em demasiados casos, impedimentos óbvios e, sobretudo, não obedecem a princípios evidentes de transparência e concurso.
Ante uma crise, em que falta dinheiro para quase tudo, designadamente para reconstruir o sistema de justiça da República e devolver-lhe a tão exigida e imprescindível eficiência, já alguém perguntou quanto desbarata por ano o Estado e as entidades autónomas e empresariais que ele instituiu com esses tribunais arbitrais?
E, para além dos árbitros, quem foram – e porquê – os que deles beneficiaram realmente?
Uma reforma séria do Estado e da justiça não pode prescindir desta reflexão. Doa a quem doer.
António Cluny
ionline de 03-04-2012
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