sábado, 4 de fevereiro de 2012

Comarcas-piloto dão lições sobre o futuro


Os funcionários judiciais da Instrução Criminal na Amadora já ajudam nas penhoras de Sintra. É um exemplo do que aí vem. Em Mafra há um tribunal onde não existe um juízo de família e menores. Alguém envolvido num processo de divórcio litigioso tem de ir a julgamento a Sintra, a 23 quilómetros, onde fica a sede da comarca da Grande Lisboa Noroeste. Mas se só quiser entregar um ofício, pode fazê-lo na secretaria do tribunal de Mafra, sem se deslocar.
Os processos que correm em qualquer dos juízos de Mafra, Sintra e Amadora estão referenciados e acessíveis a partir de todas as secretarias dos três tribunais, desde que a comarca-piloto foi criada em 2009 — juntamente com as comarcas do Baixo Vouga e do Alentejo Litoral — para experimentar um modelo de organização que em muitas coisas já é igual ao plano traçado agora pela ministra da Justiça.
Para a juíza-presidente da comarca da Grande Lisboa Noroeste, o balanço é positivo. Ana de Azeredo Coelho realça que, com os mesmos meios humanos do que havia antes, e apesar de não ter sido cumprido o reforço previsto do quadro de funcionários, a eficácia aumentou. Em 2010, a comarca teve uma taxa de resolução de 108% (sobre o número de processos entrados durante esse ano), o que é significativo tendo em conta que são abertos 200 processos/ano por cada oficial de justiça, um recorde nacional. “É preciso conhecer a realidade anterior para perceber a evolução que houve”, diz a juíza, ressalvando que não se pode simplesmente olhar para as estatísticas dos processos em atraso. Na Grande Lisboa Noroeste há 65 mil processos de execuções pendentes (70% das pendências da comarca), a maioria deles penhoras. “Muitos não estão encerrados por motivos que não têm que ver com o tribunal”, argumenta João Paulo Raposo, juiz do juízo de execuções.
A autoridade conferida ao juiz-presidente fez com que fosse possível aperfeiçoar, por iniciativa própria, o sistema informático utilizado em Sintra. Os processos têm índices digitais e todos os atos realizados e a realizar estão informatizados. “Conseguimos gerir e decidir prioridades”, explica João Paulo Raposo.
Apesar de cada tribunal ainda manter a sua própria secretaria (no novo plano, isso muda), a flexibilidade aumentou. Neste momento, os funcionários da secretaria do juízo de instrução criminal do tribunal da Amadora, onde o volume de trabalho é volátil, estão a ajudar a despachar processos do juízo de execução de Sintra. “Os funcionários não se deslocam. Fazem-no eletronicamente”, sublinha Ana Coelho.
Em Aveiro, o juiz-presidente da comarca do Baixo Vouga acredita “muito no modelo apresentado”, acrescentando que é um aprofundamento da reforma em curso nas comarcas-piloto. “Não temos mais juizes, mas estão todos especializados e as pendências baixaram na comarca”, admite Paulo Brandão. Lamenta, no entanto, que não tenha havido um acompanhamento das comarcas-piloto por parte do Ministério da Justiça e não tenha sido criado um gabinete de apoio à gestão da rede judiciária do Baixo Vouga. “Estou a trabalhar praticamente sozinho.”
O juiz de Aveiro receia que o futuro mapa seja demasiado otimista em relação à produtividade esperada (“não estou a ver como é que em média um juiz de instrução pode despachar 6500 processos por ano”) e traga um retrocesso na especialização dos tribunais. “Albergaria-a-Velha, que faz parte da nossa comarca, vai voltar a ser um tribunal de competência genérica. Não me parece boa ideia.” E há ainda outra coisa que não lhe agrada: “Porque é que aquilo que sempre foi conhecido como juízo agora tem de passar a chamar-se secção? É que, sabe, as pessoas habituam-se aos nomes.”
Micael Pereira
Expresso de 04-02-2012

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