sábado, 3 de setembro de 2011

Passos segura Júlio Pereira


Chefe das ’secretas’ mantém-se em funções e vai liderar processo de fusão dos serviços de informações. Inquérito do Ministério Público depende do primeiro-ministro

PEDRO Passos Coelho não só manteve Júlio Pereira na coordenação das ’secretas’ depois do caso do jornalista Nuno Simas, como incumbiu-o de uma importante missão: implementar a fusão dos serviços de informações que faz parte do programa do Governo.

Pelo meio, a maioria PSD/CDS impediu a chamada do secretário-geral do SIRP ao Parlamento. A exoneração ou a aceitação do pedido de demissão do secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP) era a consequência esperada da reunião de segunda-feira, em São Bento, entre o primeiro-ministro e Pereira – tanto mais que o encontro tinha sido publicitado pelo gabinete de Passos Coelho. O facto de o primeiro-ministro ter ’segurado’ Júlio Pereira, figura próxima do PS e secretário-geral do SIRP desde Abril de 2005, acabou por surpreender vários sectores da maioria.

Horas depois desse encontro, os deputados do PSD e do CDS uniam-se para aprovar a chamada de Jorge Silva Carvalho, ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), à Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais e para vetar a chamada de Pereira. Ao que o SOL apurou, a decisão de resguardar o secretário-geral do SIRP do escrutínio dos deputados partiu de Passos Coelho e contou com o apoio de Paulo Portas.

A chamada de Silva Carvalho, que deverá ser ouvido na próxima quartafeira, está relacionada com o chamado ‘caso Simas’: segundo noticiou o semanário Expresso, o exdirector do SIED terá solicitado, no Verão de 2010, o acesso a registos telefónicos de Nuno Simas (então jornalista do Público) para descobrir as suas fontes nos serviços de informações, a propósito de notícias que escreveu sobre alterações orgânicas e mau estar no SIED.

De acordo com a lei, os serviços de informações não podem realizar escutas telefónicas nem ter acesso a registos telefónicos, e muito menos podem investigar pessoas. Por outro lado, o SIED tem como competência investigar ameaças ex ternas que ponham em causa a segurança do Estado.

As ameaças internas, como poderia ser um caso que envolvesse um jornalista a trabalhar em território nacional, são investigadas pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS). Passos Coelho mostrou-se preocupado com o caso e ordenou a Júlio Pereira a realização de um inquérito urgente.

Este é o terceiro caso que põe em causa a actuação das secretas desde que o Governo de Passos Coelho tomou posse. E todos verificaram-se durante o mandato de Júlio Pereira.

Investigação criminal nas mãos de Passos

Será também o primeiroministro a decidir o sucesso de parte dos inquéritos abertos no DIAP de Lisboa. São três investigações que têm Silva Carvalho como denominador comum. Uma nasceu de uma queixa do ex-director do SIED por violação da sua correspondência electrónica (alegando que notícias do Expresso tinham por base informação obtida através do acesso ilícito a emails pessoais). Mas os dois inquéritos mais complexos estão relacionados com o caso Simas (o jornalista, actual directoradjunto da agência Lusa, apresentou uma queixa por devassa da sua vida privada) e com a alegada passagem de informações, do SIED para o grupo Ongoing, para onde Jorge Silva Carvalho foi trabalhar no final de 2010.

Segundo noticiou o Expresso em Julho, o ex-director do SIED transmitiu informações a este grupo de comunicação social quando ainda era director do SIED e recebeu outras informações de um director operacional deste serviço, quando já estava na Ongoing.

Neste último caso, um inquérito do SIRP concluiu que terá ocorrido o crime de violação do segredo de Estado, tendo Júlio Pereira exonerado o director operacional em causa e apresentado queixa no Ministério Público.

Será nas investigações mais complexas que o DIAP terá que ter acesso (que se afigura difícil) a documentação dos serviços de informações que, por natureza, está classificada como segredo de Estado. Aliás, o próprio Júlio Pereira, que já foi ouvido no DIAP, recusou ceder uma cópia do inquérito do SIRP, alegando isso mesmo. Pereira, que também é magistrado do Ministério Público, deverá tomar decisão idêntica se for confrontado com novos pedidos de documentação.

O primeiro-ministro será a única instância de recurso, sempre que o DIAP considerar a recusa de Júlio Pereira como injustificada. Tudo porque a lei orgânica do SIRP impõe que apenas «o primeiro-ministro poderá autorizar a divulgação de informações e documentos produzidos no âmbito» das secretas. Mas, para o DIAP de Lisboa recorrer a Passos Coelho, terá que ter a concordância do procurador-geral Pinto Monteiro.

Foi precisamente esta a resposta de Júlio Pereira a um Tribunal quando uma juíza do 3.° Juízo Criminal de Lisboa ordenou a junção de documentação não operacional aos autos de um processo de difamação interposto pelo secretário-geral do SIRP contra o jornalista Rui Costa Pinto. O líder das secretas acrescentou ainda: «Os tribunais não têm competência para dispensar o segredo de Estado. Mesmo nos casos em que o mesmo é preservado com menos rigor, a competência para tal é do ministro da Justiça».

Secretas podem e têm que ser investigadas, defendem os juristas

Perguntas

1. As competências do Conselho de Fiscalização do SIRP devem ser reforçadas ou deve ser criado um novo órgão dependente do Parlamento?

2. Os serviços de informações devem poder realizar escutas telefónicas, nos mesmos moldes legais que os de outros palses(como EUA, Grã-Bretanha e França)?

3. O Ministério Público (MP) pode investigar dirigentes ou funcioriáriso dos serviços de informações, tal como investiga outros cidadãos portadores de segredos de Estado (como os titulares de cargos políticos, por exemplo)? E pode fazer escutas e buscas?

António Martins – Pte. da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

1. O Conselho de Fiscalização, tal como foi criado, não foi para efectivamente fiscalizar os serviços de informações. As notícias recentes confirmam essa aparência de fiscalização, já que o Conselho é sempre apanhado de surpresa pelas notícias. Mas não creio que haja vontade política para reforçar a fiscalização.

2. Poder realizar escutas de forma legal e controlada é muito mais adequado do que a realidade que vivemos (em que isso não é possível, mas depois vemos altos responsáveis políticos, principalmente quando estão na oposição, preocupados com a possibilidade de estarem a ser escutados ilegalmente). Aliás, sem poder fazer escutas, os serviços são irrelevantes para os seus fins.

3. Sim. As próprias leis destes serviços prevêem a responsabilidade civil e criminal no caso de «desvio de funções». O segredo de Estado só pode ser invocado se houver razões de Estado. O MP pode realizar buscas não domiciliárias e requerer ao juiz escutas telefónicas.

Fernando Negrão – Pte. da 1ª Comissão da AR

1. O actual Conselho de Fiscalização do SIRP é um órgão já dependente da AR, dotado de competências alargadas e com possibilidade de intervir de forma discricionária nos serviços.

2. Tendo em conta que as comunicações são um meio sobejamente usado pelas organizações criminais, as escutas são imprescindíveis para assegurar os fins a que os serviços estão legalmente obrigados. Mas tal obrigaria a que os pedidos de escutas fossem objecto de autorização prévia e devidamente fundamentada pelo poder judicial.

3. Sim, como a qualquer cidadão. Quando for invocado o segredo de Estado, o MP pode solicitar ao 1.°-ministro o levantamento desse segredo. Este, se considerar que os prejuízos da não investigação serão superiores aos do não levantamento do segredo de Estado, poderá autorizar.

Rui Patrício – Advogado

1. Nem uma coisa nem outra. O problema está na própria natureza das coisas: como se pode fiscalizar o que, por definição, é secreto? Não será que, inevitavelmente, se fiscaliza apenas o que os serviços dão a ver? A não ser que sejam outra coisa, e não serviços secretos.

2. Sim. Porque é necessário – e tenderá a ser cada vez mais. A diferença poderá ser entre fazer escutas às escuras ou às claras.

3. O MP pode investigar, escutar e fazer buscas. Num Estado de Direito Liberal e Democrático, não pode haver zonas de defeso para a investigação criminal, tal como o segredo de Estado também não pode ser absoluto.

João Palma – Pte. do Sindicato dos Magistrados do MP

1. De pouco adianta criar novos órgãos e alterar a lei. Necessário é saber se os órgãos actuais cumprem as suas funções.

2. Não faz sentido que não possam fazer escutas, quando estão em causa interesses do Estado inquestionáveis. Mas sujeitas a um rigoroso controlo (de autorização e validação posterior) por órgão jurisdicional independente do poder político.

3. O MP não só pode como deve fazê-lo e por impulso próprio. Apesar dos rumores sobre escutas ilegais, já viu o MP, ao mais alto nível, tomar alguma atitude?

Bacelar Gouveia – Ex-pte. do Conselho de Fiscalização do SIRP

1. Acho que a matriz da fiscalização político-parlamentar do SIRP está correcta. Desde que o órgão existe, a fiscalização tem sido efectiva. Admito que possa haver alguns aperfeiçoamentos em consequência dos recentes episódios que abalaram a credibilidade do SIRP.

2. Sou favorável a que haja escutas, desde que previamente autorizadas por um juiz e limitadas a casos muito graves (terrorismo, criminalidade organizada).

3. Sim, mas pode haver casos, pontuais, em que uma investigação criminal possa ser impedida por razões de segurança nacional.

Vasco Marques Correia – Pte. da Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados

1. Sim. Sentir-me-ei muito mais confortável se a fiscalização for feita através de uma Comissão da AR, uma vez que os deputados são eleitos por sufrágio directo pelos cidadãos.

2. Sou totalmente contra ‘Estados securitários’. Quaisquer escutas só deverão ter lugar desde que previamente validadas por um juiz.

3. Defendo um regime de investigação especialmente reservado destas matérias pelo MP, na dependência directa do procurador-geral da República

Luís Rosa
Sol, 2 de Setembro de 2011

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